Conversa no San Vicente

Vitali, num dia de menos caña...

"Ah! Estávamos tomando 'caña clara', mas tomamos o que aparece, cerveja, ron... o importante é comer, comendo não há problema algum. Não, não bebemos todos os dias”. (Estamos numa mesa do Bar e Restaurante San Vicente, clientela popular, na parte central, antiga, de Caracas, a uns 100 metros do palácio presidencial Miraflores, na tarde de um domingo qualquer. Fala James Betancourth, disse que tem 49 anos, mas tem cara de pelo menos 60, garçon, agora desempregado. Fala também por seu amigo Paulo Vitali, 68 anos, vendedor de revistas, que está quase ausente devido ao sono da embriaguês. Ambos descasados. Quando os vi pela primeira vez, numa tarde de sábado, estava com minha fotógrafa predileta. Vitali, menos bêbado, um modelito de cabelo incrível. Os dois, sentados ao balcão, dividiam uma cerveja e, às escondidas, se passavam uma garrafinha de líquido claro, semelhante à nossa cachaça. Agora eu sei, era a 'caña clara').

"Todos os dias, não, tomamos uns tragos de vez em quando” (o dono do bar me disse que estão lá quase todos os dias). “Sou de San Cristóbal, capital do estado Táchira, vim para Caracas com 15 anos, me casei aqui e fui com minha família para Maracay (estado de Aragua), fiquei lá 15 anos. Trabalhei de garçon na lanchonete e restaurante do Círculo Militar. Tenho três filhas, Génifer, Geraldine e Geralda, duas moram em Maracay e uma aqui. Me separei e voltei para Caracas. As mulheres têm muita influência em nossa vida. É um ímã, quando te agarra, para soltar é negativo o procedimento” (não sei se entendi bem esta expressão).

“Não, não gosto de política. Político não é uma pessoa sincera. Eu sou sincero 100%, político não é. Política é 100% hipocrisia. Vitali, se ele gosta? Pode ser...” (Respondeu, diz ele que em italiano e traduziu logo). “Vitali nasceu aqui mesmo no centro de Caracas, na Paróquia San Juan (paróquia aqui é como se fosse um bairro), tem dois filhos, um vive em Maracay, é motorista de carreta, o outro é médico cirurgião, vive no México. Ele é descendente de italiano, sua avó era italiana. Gosto do italiano. Não gosto é de português, nem das pessoas e nem do idioma, aqui tem muito português, já trabalhei muito pra eles”.

Roberto Carlos e Rei Pelé - (Vitali suspira, balança a cabeça, deliciando-se com a música, volume alto, Betancourth continua). “É Tito Rodriguez, música romântica. Não sei se é venezuelano, creio que é portorriquenho”. (Outro dia escutei aqui Bienvenido Granda, cantor, acho que mexicano, que fez sucesso no Brasil na década de 60, comentei). “Ah! O bigode que canta, conheço bem, gostamos de música romântica. (Vitali, apesar da aparência, não está dormindo. Abre os olhos e diz: Roberto Carlos, Roberto Carlos, um cantor importante). “É um cantor brasileiro, não é? Não conheço nada do Brasil, não tenho nenhuma idéia do que seja o Brasil, nem sequer de filmes, não tenho idéia. Mas trabalhando como garçon, já encontrei muitos turistas brasileiros”. (Me disponho a pegar outro ron e pergunto a Betancourth se quer uma cerveja, comentando que Vitali não deve beber mais pois já está cheio. Ele se agita rapidamente e grita: não, eu também quero).

“Nós moramos num 'sitio' (sítio?), sim, uma casa bem grande ao lado do Congresso (Assembléia Nacional), pertinho daqui, temos um quarto, que dividimos com outro amigo. Moram na casa várias pessoas, famílias. Não, não pagamos nada, mas qualquer serviço que o proprietário necessite, nós fazemos, ajudamos”. (E este sobrenome Betancourth, de onde vem, seria parente do ex-presidente da Venezuela, Rómulo Betancourt, pergunto). “Sim, 'a lo mejor' sim” (Trata-se de uma expressão curiosa, os cubanos também a usam, significa 'talvez', literalmente seria 'ao melhor').

“Esporte eu gosto, beisebol, natação, caminhar na montanha, trotar... futebol não gosto, quem gosta muito de futebol são os brasileiros e italianos”. (Vitali mais uma vez dá o ar de sua graça e diz, repetidas vezes, Rei Pelé, Rei Pelé, Rei Pelé... E acrescenta naquela voz pastosa de bêbado: Maradona também é um astro...).

(Observação: Rómulo Betancourt foi presidente da Venezuela duas vezes, nos períodos 1945/1948 e 1959/1964; Tito Rodriguez é realmente de Porto Rico; e Bienvenido Granda é cubano, mas adotou a nacionalidade mexicana, depois de viver em alguns países da América do Sul, inclusive no Brasil durante um ano. Os três já morreram).



Comentários

Rita Rapold disse…
OLá Jadson!
Fabiano me enviou hj o endereço desse seu Blog. A partir de agora, sempre que puder, vou acompanher. Passarei tb para Serjão(Sergio Guerra) Sei que ele gostará tb.
Gde abraço
Ritão (Rita Rapold)
Ernandes Santos disse…
Jadson e seus universos paralelos. Seria um novo Bar do Davi? Seria um caso...