Pé na estrada (de ônibus)

De Curitiba (PR)

No rojão habitual das viagens na rodoviária de Palmas

Estou em Curitiba há mais de um mês, mas tenho mais algumas lembranças, anotações e fotos que quero compartilhar com vocês। Fazem parte da travessia deBelém à capital paranaense, passando por Palmas, Goiânia e Campo Grande.

É muito chão. Foram 61 horas de ônibus, mas eu, sabidamente, fui parando cerca de quatro dias em cada uma dessas três capitais.
Em Belém, onde peguei o agitadíssimo Fórum Social Mundial (fiz matérias para este blog e o Mídia Baiana_ Fórum Social até debaixo d'água , Pioneirismo da nova Constituição boliviana , Viva a diversidade! , Da resistência armada ao Eco Sexy ), fiquei pouco mais de duas semanas।

Vinha de Manaus, a simpática capital da região amazônica, à margem do Rio Negro (que os paraenses me desculpem por passar por cima de Belém). Convivi quase três meses com os manauaras e, engraçado, a gente vai demorando numa cidade e vai se afeiçoando aos lugares e pessoas. Me pego, às vezes, curtindo saudades daquela terra tropical (qualquer dia desses escrevo alguma coisa sobre o tacacá, o guaraná e frutas típicas da região, tenho muitas fotos).

Voltando à rápida passagem pelas capitais de Tocantins, Goiás e Mato Grosso do Sul.

Normalmente me hospedava em hotéis próximos à estação rodoviária e diariamente dava caminhadas pelas ruas e praças mais centrais, quase sempre durante o dia, pois a neurose da falta de segurança nos acompanha em todos os grandes centros urbanos (creio que Havana, Cuba, é exceção)। Por volta das 8, 9 horas da noite já estamos refugiados nos quartos dos hotéis। É uma merda!

Barraca de dona Pedrita, de comidas típicas, em Palmas

ESTRANHA SENSAÇÃO DE LIBERDADE - Mas deu para sentir o clima do centro das cidades, procurando restaurantes mais em conta e, especialmente, um barzinho mais aconchegante। Às vezes, até dava para uma esticada num ponto turístico, como aconteceu em Goiânia, onde visitei o Parque Vaca Brava (o turismo, na verdade, não me desperta interesse).


Parque Vaca Brava, em Goiânia

Monumento às Três Raças, na Praça Cívica, centro de Goiânia

Em Campo Grande, pensei em conhecer algum museu ou coisa parecida relacionada com o Pantanal, mas era período de carnaval, estava tudo fechado.

Interessante você andar por uma cidade desconhecida. Melhor dizendo, não é que a cidade seja desconhecida, você é que é desconhecido naquela cidade (temos o centro do mundo plantado no nosso umbigo).

Bem, você anda com a certeza de que não encontrará qualquer conhecido, não adianta olhar o rosto do transeunte। Você não será identificado por ninguém. Dá uma sensação estranha de liberdade. Gosto disso.

Tomando uma tequila no Shopping Araguaia, em Goiânia
Porém (sempre há um porém), às vezes bate uma vontade danada de conversar। Aí, companheiro, companheira, a salvação - pelo menos para os freqüentadores de bares - está nos garçons e garçonetes. Creio que os viajantes sozinhos têm uma dívida imensa com tais personagens. Mas, pensando bem, agüentar papo de freguês solitário já deve estar incorporado às suas pesadas tarefas. Além disso, eventuais colegas de copo geralmente estão abertos a uma conversação, o famoso papo de pé de balcão.

Ainda no capítulo bar, melhor buteco, pelo qual transito com peculiar paixão, quando comecei a andar por Palmas, pensei logo: iiiihhhh, acho que não vou encontrar um buteco por aqui. Não fui com a cara da cidade, aquela coisa planificada, insossa, sem história, sem alma. Pois não é que me equivoquei? Após uma busca desesperançada, localizei um butequinho da pior qualidade, uma beleza! Junto, para completar o achado, ainda tinha uma barraca de comidas típicas.

TIRIRICA E SEU BALDE - E, pasmem, foi ainda em Palmas que topei uma daquelas figuras de sarjeta, a cara empapuçada, os pés um pouco inchados, dava pra ver logo que se tratava de um cachaceiro, mas não estava maltrapilho, como se poderia supor. Encontrei-o num ponto de ônibus (íamos à rodoviária), ele estava cantando o motorista pra viajar de graça. Sem problema, parecia já ser bastante popular na área. Apresentou-se a mim como “Tiririca e seu balde”. Tinha um balde de plástico pendurado no braço, depois é que fui entender (pena que eu estava sem a máquina fotográfica).

“Eu estava internado e o médico me proibiu a cachaça. Agora tô bom. Foi por causa de corno, eu capei a mulher, depois ela ficou saliente...” Tiririca tinha a língua solta e não escondia seu calvário. Contou que tinha cinco filhos, onde estão? “Não sei, tão pelo mundo, a mulher também deixou eles, sei lá...” Disse que morava em Imperatriz (Maranhão), e agora está morando em Rio Sono, cidadezinha a 150 quilômetros de Palmas.

“Minhas coisas ficam na rodoviária, lá com os motoristas, são tudo amigo meu”, explicou. No ônibus, depois de me dizer “sou o rei do pagode”, sacou do balde e começou a cantar e batucar umas músicas altamente apelativas. Falavam de “mulher boazuda” e de “bicho feio cabeludo, mas é saboroso”. Um senhor que estava ao seu lado no banco, cioso da moral e dos bons costumes, mudou rapidinho de lugar. Já na rodoviária, nos despedimos com um aperto de mão. E cada um seguiu adiante.

GUARDADOS E ANOTADOS – Não imaginei que tantos males poderiam nos acompanhar: depressão, desunião, dívidas, solidão, drogas, medo, miséria, maldição, alcoolismo, enfermidade, dor de cabeça, vê vultos, brigas, vícios, insônia, problema familiar, espiritual, angústia, pesadelo, impotência, separação e desemprego. São os problemas listados num folheto que me deram ao passar diante da “Igreja Viva 24h – A potência do Norte”, lá em Palmas.

E em algum momento dos 20 dias da travessia Belém/Curitiba, anotei numa folha de papel: melancólico, misantropo, taciturno, triste, sorumbático, sombrio, depressivo, deprimido, abatido, esmorecido, desalentado, desanimado, entediado e macambúzio.
Haja melancolia!

Comentários

Anônimo disse…
Jadson,

Somos todos estranhos quando ninguém nos reconhece. Você está vivendo uma vida quase de agente secreto, pois vai a muitos lugares e sempre passa despercebido. Deve ser esta a liberdade que mencionou.
Agora, esse cara do balde é clássico!

Abraços,
Fabiano