Paseo El Prado, onde as coisas acontecem

De La Paz (Bolivia) – Na terça-feira, dia 13, meu sétimo dia por aqui, parece que comecei a conviver mais pacificamente com o "mal da altura" e, também, a eleger minha área preferida: o Paseo El Prado, as pessoas dizem "Paseo Prado". Fica a pouca distância de dois pontos que marcam também o centro da cidade – a Plaza San Francisco e a Plaza Murillo, nesta última estão os palácios do presidente da República e do Congresso.

O "Paseo Prado" não é uma avenida tão extensa como se poderia imaginar, mas é bem larga, tendo um espaçoso passeio (calçadão) no centro, bem arborizado, florido, com várias áreas onde as pessoas se sentam, conversam, namoram (muitos estudantes estão sempre circulando ou sentados) e vários monumentos, estátuas. Há grandes edifícios comerciais, ministérios, escolas e universidades, bancos (o Banco do Brasil está aí), restaurantes, etc, etc.



Passam pelo Prado ou se concentram nele também as manifestações políticas, as quais estão sempre presentes numa democracia participativa, como podemos classificar o sistema político hoje na Bolívia. Sistema que tem duas características bem visíveis: há muitos protestos coletivos nas ruas e não há repressão policial. Andando pelo centro, já topei, por acaso, com três manifestações:

1 – A primeira foi dos universitários, com participação dos professores e trabalhadores, protestando contra um decreto do presidente Evo Morales, que, segundo eles, restringia a autonomia universitária (parece que o núcleo central do movimento é a Universidad Mayor San Andrés, pública). Foi uma passeata grande, com milhares de pessoas (cinco mil, 10 mil?) por várias ruas do centro (pena que eu estava sem a maquininha digital, estava ainda muito afetado pelo "mal da altura").

A manifestação foi tão forte que, enquanto ela estava nas ruas, o governo já estava anunciando a revogação do decreto, negando qualquer pretensão quanto à quebra da autonomia e alegando querer evitar conflitos nesta fase eleitoral. O movimento dos universitários, no entanto, continua, pois eles protestam também contra cortes no orçamento, conforme argumentam.
2 – Outro protesto foi do Movimento de Libertação Indianista – Katarista (nome que vem daquele líder indígena Tupac Katari, que foi executado pelos espanhois de forma extraordinariamente cruel e é autor da célebre frase: "Voltarei e serei milhões")। Foi na segunda-feira, 12 de outubro, dia em que "comemoramos" a chegada de Cristóvão Colombo à América.

Era uma coisa diminuta. Uns 20 jovens, dizendo-se "índios", gritavam palavras de ordem – "Abajo Colón, mata indio!", "Por el indio, carajo!", "Somos millones, carajo!" - contra a matança dos povos indígenas, identificando Colombo como um dos invasores e assassinos. O "descobridor" era representando por um boneco, que foi queimado ao pé de sua estátua. Trata-se de um movimento tão estreito que não valoriza os grandes avanços conquistados pelo "proyecto de cambio" (projeto de mudança), liderado por Evo Morales.

Mineiro "crucificado"
3 – Duas dezenas de mineiros fizeram na terça-feira, dia 13, seu protesto: interromperam uma das pistas do Paseo El Prado com uma faixa, enquanto dois companheiros representavam-se "crucificados"। Segundo explicaram, sua empresa de mineração, privada, foi substituída por um sistema de cooperativismo, e eles foram, de alguma forma, prejudicados। Um grupo de policiais, sem qualquer ação violenta, negociou com eles, e depois de mais ou menos uma hora, a faixa foi transferida para o calçadão central, desimpedindo a pista।
Faixa com as cores da bandeira boliviana fecha a pista

(Manifestações como estas duas últimas, apesar de insignificantes do ponto de vista político mais geral, acabam tendo repercussão nos meios privados de comunicação, porque estão num contexto contrário à política de Evo Morales. Vi, por exemplo, uma chamada de primeira página num dos principais jornais daqui sobre o protesto contra Colombo).

Comentários

Zé Paraiba disse…
Jadson, tenho lido com frequencia o seu blog. Admiro esse desprendimento seu, ao abdicar das coisas cotidianas para se dedicar a tarefa de conhecer de perto as coisas boas e mazelas que envolvem nossos povos. Voce continua sendo um dos meus gurus. Vejo, bebo e como tudo isso que é relatado com tanto realismo. Voce faz o que muitos "guerrilheiros" gostariam de estar fazendo.
Zeparaiba
Jadson disse…
Velho companheiro Zé Paraíba, obrigado por sua avaliação tão lisonjeira do meu "trabalho", especialmente vinda de pessoa tão qualificada, com uma vida marcada pela militância sindical, sempre alinhado entre os que defendem a causa dos injustiçados, dos excluídos desta nossa sociedade consumista, capitalista.
É um grande estímulo saber que tenho você entre meus poucos leitores. Fiquei feliz ao saber.
Vamos em frente, companheiro, um grande abraço.
(Para quem não está ligando o nome, o apelido, à pessoa, trata-se de Zé Costa, velho lutador operário, o primeiro presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia depois da derrubada dos pelegos na fase pós-ditadura).