PRISÃO PERPÉTUA PARA EX-DITADOR: DIREITOS HUMANOS EM FESTA NA ARGENTINA

Jorge Rafael Videla comandou a ditadura
sangrenta de 1976 a 1981 (Foto: Reprodução)

(Reprodução da primeira página do
jornal Página 12, de 23/12/10)
De Buenos Aires (Argentina) – Após 27 anos da derrubada da última ditadura, em dezembro de 1983, as entidades e militantes dos Direitos Humanos - uma voz cada dia mais forte no país, com o apoio inclusive do governo de Cristina Kirchner - tiveram muito a comemorar: o ex-general e ex-ditador Jorge Rafael Videla, hoje com 85 anos, símbolo maior da sangrenta ditadura militar, foi condenado à prisão perpétua, a ser cumprida em cela comum. Em 1985 ele teve condenação semelhante, mas foi indultado pelo então presidente Carlos Menem em 1990.

A sentença foi lida no final da tarde desta quarta-feira, dia 22, com milhares de pessoas em concentrações festivas diante de telões em Córdoba (capital da província de Córdoba, região central do país), onde ocorreu o julgamento, e em Buenos Aires. A leitura teve transmissão ao vivo através de seis emissoras de TV. Ao final da sessão, Videla teve que escutar os gritos de “assassino... assassino... assassino...”, partidos dos assistentes na sala do tribunal, repleta de vítimas sobreviventes e familiares de sequestrados, torturados e assassinados, além de representantes da luta pelos Direitos Humanos, como as Mães e Avós da Praça de Maio (Madres e Abuelas de Plaza de Mayo) e Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de 1980.

Lutadores pelos Direitos Humanos (Mães e Avós da Praça de Maio à frente)
e familiares de mortos e desaparecidos festejam logo em seguida à divulgação
das sentenças (Foto: Reprodução)
Junto com o ex-ditador, foram condenados à prisão perpétua mais 14 pessoas, entre elas o ex-general Luciano Benjamín Menéndez, que era comandante do III Corpo de Exército, sediado em Córdoba. Esta é a quinta prisão perpétua de Menéndez. Oito receberam penas de sete a 14 anos e sete foram absolvidos. Ao todo foram 30 militares e policiais, todos acusados de ordenar ou executar o fuzilamento de 31 presos políticos em Córdoba, logo após o golpe militar de 1976.

Mais de 100 foram condenados por crimes de lesa humanidade somente neste ano

Este foi apenas um dos julgamentos concluídos nesta semana. Houve mais três, todos envolvendo crimes de lesa humanidade praticados durante a ditadura. No dia anterior, terça-feira, dia 21, a militância pró Direitos Humanos tinha se concentrado diante dos tribunais federais da capital (Avenida Comodoro Py), para ouvir (e festejar) a leitura da sentença de um processo envolvendo 183 vítimas e 17 acusados. Os crimes - sequestro, tortura, violação, desaparecimento, assassinato e roubo de bebês – ocorreram num circuito de três centros clandestinos do I Corpo de Exército, sediado em Buenos Aires. Doze foram punidos com prisão perpétua, quatro com penas de 25 anos e um foi absolvido.

Os outros dois processos: em Mar del Plata (cidade costeira, no centro-leste), três oficiais da Marinha foram condenados à prisão perpétua; e em Salta (capital da província do mesmo nome, noroeste), três coronéis reformados do Exército tiveram pena também de prisão perpétua. Segundo dados da Procuradoria Geral da Nação divulgados nos meios de comunicação portenhos, o número de condenados este ano por crimes de lesa humanidade, cometidos durante a última ditadura (1976-1983), chega, com os casos desta semana, a pouco mais de 100. Neste ano 166 acusados foram ou estão sendo julgados. Este número vem crescendo: no ano passado 36 pessoas se sentaram no banco dos réus por atrocidades contra opositores políticos.

Militantes reuniram-se em frente ao prédio de tribunais federais em Buenos
Aires e festejaram a condenação de 16 torturadores (Foto: Jadson Oliveira)
Muitos carregavam fotos de sequestrados, desaparecidos e assassinados
pelos repressores da ditadura (Foto: Jadson Oliveira)
Daí o entusiasmo dos lutadores pelos Direitos Humanos, muitos dos quais sobreviventes e parentes de vítimas. Daí a alegria ao aplaudir, durante o acompanhamento da leitura das sentenças, toda vez que se ouve a menção à condenação. Daí também a emoção – as lágrimas nos olhos ou mesmo o choro desatado em alguns casos – manifestada por muitos ao verem o desfilar de imagens nos telões: fotos de vítimas, caras de torturadores (com o carimbo “genocida”), seus nomes e codinomes, proclamações por Memória, Verdade, Justiça.

É o que se podia observar no Festival (de música) pelo Julgamento e Castigo, em frente aos tribunais em Buenos Aires, na terça-feira. Lá estavam entidades como Mães da Praça de Maio, H.I.J.O.S. (Hijos e Hijas - Filhos e Filhas - por la Identidad y la Justicia contra el Olvido - Esquecimento - y el Silencio), La Cámpora e Juventude Sindical (as duas últimas com jovens militantes kirchneristas). Muitos levavam cartazes com a figura de Néstor Kirchner e com retratos de desaparecidos, mostrados também em broches.


VIDELA: VIGOR FÍSICO E MENTAL

O ex-ditador na bancada dos réus, tendo ao lado Luciano
Menéndez, ex-comandante do Exército em Córdoba
(Foto: Reprodução)
Jorge Rafael Videla, então comandante do Exército, liderou o golpe militar que em 24 de março de 1976 derrubou a “presidenta” Isabelita Perón. Comandou a Argentina até 1981 (a ditadura durou mais dois anos), sendo apontado como o principal responsável por um regime de terrorismo de Estado, extremamente violento, cujo saldo trágico fica patente na estimativa de 30 mil mortos e desaparecidos políticos.

Em 1985, ele foi condenado à prisão perpétua, mas ficou na cadeia por apenas cinco anos, pois foi beneficiado em 1990 por indulto concedido pelo então presidente Carlos Menem. Em 1998 voltou a ser preso, mas somente 38 dias, passando então a cumprir prisão domiciliar. Há dois anos retornou à cadeia, onde vai continuar agora com a nova sentença de prisão perpétua.

Apesar dos 85 anos, exibe vigor físico e mental. Na terça-feira, dia 21, um dia antes da leitura da sentença, leu um alentado discurso na parte das chamadas alegações finais, demonstrando lucidez, firmeza e fidelidade ideológica e política, dentro da visão comum dos ditadores latino-americanos criados pela Guerra Fria. Defendeu sua ação durante a ditadura, disse que travou não uma “guerra suja”, mas sim uma “guerra justa” contra a subversão, contra o terrorismo, contra o marxismo – guerra que ainda não acabou, advertiu -, e ainda semeou algumas polêmicas ao falar de apoios que teria tido entre políticos e a sociedade civil.

Comentários

Companheiro Jadson que inveja e alegria ao mesmo tempo de vc. estar ai na argentina vivendo esse momento, importante para o direitos humanos. ver a condenação desse gorila. Já está atrás da grande? Aqui no Brasil o gorila que torturou a Dilma ematou muitos companheiros faz até deboche, mas a hora dos torturadores brasileiros vai chegar.

equipe ananindeuadebates
Anônimo disse…
Em setembro vc me disse que sua vida atualmente é seu blog,imagino que agora tendo a chace de fazer uma matéria como esta o prazer que vc sentio me lembrei das noites rodando a classe operária juntos e via a satisfaçao no seu rosto. Sou feliz por vc parabens pela a grande materia. um grande abraço WGviana
Jadson disse…
Eni, agradeço a lembrança, foram momentos nossos (não esquecer seus méritos) naqueles tempos nebulosos da ditadura, década de 70. Creio que demos nossa contribuição.
(Eni fala em "rodando a classe operária", era o jornal oficial clandestino do PC do B, uma época fiquei encarregado de imprimir na Bahia, passamos muitas madrugadas manejando o mimeógrafo).
Pois é, companheiro Rui, nesta matéria Direitos Humanos nosso Brasil é uma vergonha, é só lembrar que o nosso Supremo Tribunal Federal respaldou, escandalosamente, os torturadores. e agora mesmo a Comissão Interamericana de DH condenou o Brasil pelo assassinato e desaparecimento dos guerrilheiros do Araguaia.
Uma vez fiz uma matéria aqui no blog (Direitos Humanos; o Brasil na vanguarda do atraso) comparando nosso país com os da América Latina nesta matéria. Lembrei que o Brasil está atrás até do Paraguai neste quesito (me desculpem os hermanos paraguaios, mas é que nos acostumamos a ver tudo de ruim no Paraguai, idiotices de nossa grande imprensa).
Pois é, meu amigo, uma vergonha, vamos ver se com uma mulher na presidência a coisa melhora (ou piora).
Joana D'Arck disse…
Também estou feliz por você acompanhar esse momento histórico não só para a Argentina. Além de justiça, o que conforta ao menos um pouco os parentes das milhares de vítimas, esse julgamento serve de exemplo para as atuais e futuras gerações. O Brasil ainda pode fazer algo. Quem sabe...

Vou reproduzir essa matéria no nosso Pilha. Excelente.
Unknown disse…
Pois é Joaninha, além do conforto das famílias ainda traz a tona a história, para que essa nova geração possa lembrar ou tomar conhecimento, pq quando converso com com esse povo mais jovem fico horrorizada com a falta de conhecimento sobre as torturas.