QUEM É A MAIOR AMEAÇA, EUA/ISRAEL OU IRÃ?


A resposta é do linguista e ativista Noam Chomsky, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (Estados Unidos). Amy Goodman, da estação alternativa de rádio estadunidense Democracy Now, perguntou sua opinião sobre o fato de documentos vazados através do Wikileaks revelarem que líderes árabes (na verdade, são ditadores) pressionam o governo dos Estados Unidos para que intervenha contra a ameaça nuclear representada pelo governo do Irã. O jornalista, ao perguntar, cita declarações da secretária de Estado Hillary Clinton e do primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu, ambos confirmando com toda ênfase que o Irã é a maior ameaça para os árabes.


Veja a resposta de Chomsky: “O significado principal dos telegramas que têm sido publicados é, até agora, o que nos dizem sobre os dirigentes políticos ocidentais. Hillary Clinton e Benjamin Netanyahu com certeza conhecem as cuidadosas sondagens da opinião pública árabe. O Brookings Institute publicou há poucos meses amplas sondagens sobre o que pensam os árabes acerca do Irã. Os resultados são bastante impressionantes. Mostram que 80% da opinião árabe considera que a maior ameaça na região é Israel. A segunda maior ameaça são os EUA, com 77%. E o Irã só é referido como ameaça por 10%. No que diz respeito às armas nucleares, de um modo bastante notável, há 57% que dizem que, se o Irã possuísse armas nucleares, isso teria um efeito positivo na região. Pois bem, não se trata de cifras pequenas. 80% e 77%, respectivamente, dizem que Israel e os EUA constituem a maior ameaça. 10% dizem que o Irã é a maior ameaça.


Claro que, aqui, os jornais nada dizem sobre isso – dizem-no na Inglaterra – mas é certamente algo que os governos de Israel e dos EUA e os seus embaixadores sabem muito bem. Mas não se vê aparecer uma palavra sobre isso. O que isso revela é o profundo ódio à democracia por parte dos nossos dirigentes políticos e dos dirigentes políticos israelenses. São coisas que nem referidas podem ser. Isso impregna todo o serviço diplomático. Não há nenhuma referência a isso nos telegramas.


Quando falam dos árabes referem-se aos ditadores árabes, não à população, que se opõe rotundamente às conclusões dos analistas, neste caso Clinton e os médias [a mídia]. Também há um problema menor que é o maior problema. O problema menor é que os telegramas não nos dizem o que pensam e dizem os dirigentes árabes. Sabemos o que foi selecionado daquilo que disseram. De modo que há um processo de filtragem. Não sabemos o quanto a informação é distorcida. Mas não restam dúvidas: o que é mesmo uma distorção radical – ou nem sequer uma distorção, mas sim um reflexo – é a preocupação de que o que importa são os ditadores. A população não importa, mesmo se se opõe totalmente à política estadunidense. Há coisas semelhantes noutros sítios, como as que têm a ver com essa região.


Um dos telegramas mais interessantes foi aquele de um embaixador dos EUA em Israel para Hillary Clinton, que descrevia o ataque a Gaza – que deveríamos chamar o ataque israelense-estadunidense a Gaza – em dezembro de 2008. Indica corretamente que houve uma trégua. Não acrescenta que durante a trégua – que de fato Israel não respeitou, mas o Hamas respeitou escrupulosamente, segundo o próprio governo israelense –, não foi disparado um só míssil. É uma omissão. Mas logo surge uma mentira direta: diz que em dezembro de 2008 o Hamas retomou o disparo de mísseis e que por isso Israel teve de atacar para se defender. Acontece que o embaixador não pode deixar de saber que há alguém na embaixada dos EUA que lê a imprensa israelense – a imprensa israelense dominante – e nesse caso a embaixada tem de saber que é exatamente o contrário: o Hamas estava a pedir uma renovação do cessar-fogo. Israel considerou a oferta, recusou-a e preferiu bombardear em vez de optar pela segurança. Também omitiu que Israel nunca respeitou o cessar-fogo – manteve o cerco [a Gaza] em violação ao acordo de trégua – e em 4 de novembro, dia da eleição de 2008 nos EUA, o exército israelense invadiu Gaza e matou meia dúzia de militantes do Hamas, o que motivou troca de tiros em que todas as vítimas, como de costume, foram palestinas. De imediato, em dezembro, quando terminou oficialmente a trégua, o Hamas pediu que ela fosse renovada. Israel recusou e os EUA e Israel preferiram lançar a guerra. O relatório da embaixada é uma falsificação grosseira, e é muito significativa porque tem a ver com a justificativa do ataque assassino, o que significa que ou a embaixada não fazia ideia do que estava acontecendo ou estava mentindo descaradamente.


(A entrevista completa está no sítio do jornal Brasil de Fato, postagem de 10/01/11).


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