DIA DA MEMÓRIA: OS ARGENTINOS NÃO ESQUECEM OS CRIMES DA DITADURA


Praça de Maio emendada com a Avenida de Maio, de onde vinham
as colunas de militantes das dezenas de entidades dos mais variados
matizes políticos da esquerda (Todas as fotos: Jadson Oliveira)
Crianças abriam o desfile no bloco da Juventude Gráfica, ligada
à Federação Gráfica Bonaerense (da província de Buenos Aires)
De Buenos Aires (Argentina) – Não ao esquecimento! Sim à punição dos culpados! Tais palavras-de-ordem parecem resumir os anseios de quase toda a militância política dos nossos vizinhos, o que significa muita gente, ao contrário do Brasil onde a mobilização popular anda muito escassa. Daí que as ruas centrais da capital portenha (houve atos também em outras cidades do país) se encheram de manifestantes na quinta-feira, dia 24, feriado nacional, Dia da Memória, da Verdade e da Justiça. Há estimativas que chegam a centenas de milhares de pessoas. (Em 24 de março de 1976 – há 35 anos, portanto – os militares derrubaram o claudicante governo de Isabelita Perón e instauraram a última ditadura - 1976-1983).


A natureza colaborou: o sol brilhou na quinta-feira, enquanto a véspera e a sexta seguinte foram nubladas e com alguma chuva. Desfilaram dezenas (ou talvez mais de uma centena) de entidades partidárias, de defesa dos Direitos Humanos, de movimentos sociais, de bairros, de trabalhadores, estudantis e comunitárias, identificadas nos variados cartazes, bandeiras, faixas, gritos-de-guerra e camisetas. É peronismo dos mais variados matizes, uma corrente política (de Juan Domingo Perón) que José Pablo Feinmann, pensador muito respeitado por aqui, chama de “uma obstinação argentina”.


Uma das muitas organizações peronistas presentes (26 de julho
foi a data da morte de Eva Perón, em 1952)
Milhares de jovens de La Cámpora estão sempre nas ruas exaltando
a memória de Néstor Kirchner e gritando slogans pró reeleição de
Cristina 
A UES (União dos Estudantes Secundaristas) reclamou seus
desaparecidos/assassinados
Foram então peronistas, no caso enfileiradas no kirchnerismo, muitas agremiações que exaltaram nas ruas e praças o ex-presidente Néstor Kirchner e gritaram consignas em favor da reeleição da presidenta Cristina Kirchner. Talvez a mais representativa destas seja La Cámpora, que sempre arrasta milhares de jovens sob a “cobertura” de suas bandeiras azuis e brancas.


Estavam lá também, sempre em posição de vanguarda, as Abuelas e Madres (avós e mães – Madres da Linha Fundadora) da Praça de Maio, que iniciaram sua heróica militância desde 1977, no segundo ano da ditadura (muitas já morreram, claro), e são hoje referência mundial quando se fala de Direitos Humanos. Continuam nas suas denúncias sobre os desaparecidos/assassinados e na luta pelo castigo aos culpados – os últimos números divulgados indicam que atualmente existem 169 condenados e 856 sendo julgados. E apoiam também o projeto político dos Kirchner.


(Digo “Madres da Linha Fundadora” para diferenciar da Associação das Madres da Praça de Maio, que há quatro anos passou a atuar numa linha distinta e tem grande visibilidade pública, mesmo porque ampliou muito seu raio de ação. As “madres” da associação, que também estão com Cristina, fizeram uma comemoração do Dia da Memória à parte, com o chamado “que o sangue de nossos filhos se converta em escolas, hospitais, casas e trabalho para todos”, a qual culminou com uma concentração num bairro popular. Sua presidenta, Hebe de Bonafini, diz, por exemplo: “Nos importa mais que uma criança seja feliz do que meter um milico na cadeia”).


Frente do grupo que desfilou com a bandeira do Movimento
Independente dos Desocupados Organizados - MIDO
O Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) levou uma grande
coluna de militantes às ruas
Voltemos ao centro de Buenos Aires. Desfilaram também por lá as muitas organizações políticas que por aqui são chamadas “de esquerda” (no Brasil seriam “trotskistas), aparentadas com os aguerridos “piqueteros” da década de 90. São oposição ao governo de Cristina, não têm poder de fogo eleitoral e podem ser identificadas numa grande faixa que carregaram: “Com impunidade e repressão não há Direitos Humanos”.


Apregoam que a repressão continua, falam dos mortos, presos e processados nas lutas populares recentes, dizem que 90% dos repressores da ditadura ainda estão sem punição, que 16 foram absolvidos e cerca de 450 morreram sem castigo e/ou são fugitivos. Para citar dois partidos que parecem ter boa representatividade neste espaço político-ideológico: Partido Operário (para dar um tom brasileiro, aqui é “Partido Obrero” - PO) e Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS).


Uma das pistas da larguíssima Avenida 9 de Julho, que ficou
totalmente (as duas pistas) fechada ao tráfico de carros
Tais militantes “de esquerda”, que aqui têm grande poder de mobilização (pelo menos se comparamos com o Brasil), se concentraram a partir do início da tarde na Praça do Congresso. Os de quem falei antes – de atuação mais institucionalizada e pró Cristina – fizeram sua concentração inicial na 9 de Julho (a larguíssima avenida que corta o centro da cidade e que estava fechada ao trânsito de carros) e na Avenida de Maio, que liga a Praça do Congresso à Praça de Maio, cruzando a 9 de Julho, umas oito a 10 quadras.

No final da tarde e início da noite todos passaram, em fluxos sucessivos (não haveria espaço para tanta gente ao mesmo tempo), pela Praça de Maio, o coração político da capital, onde está o palácio do governo, a Casa Rosada. Praça que varou a madrugada apinhada de gente, especialmente jovens, já que depois das manifestações políticas seguiu-se uma apresentação musical.







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