LANÇADO O COMITÊ BAIANO PELA VERDADE: “A VERDADE É O ÚNICO CAMINHO PARA A JUSTIÇA”


Maria do Rosário defendeu o papel dos comitês pela verdade
visando esclarecer os crimes de lesa humanidade cometidos
durante a ditadura (Fotos: Jadson Oliveira)
Mais de 100 pessoas encheram o auditório do Conselho Estadual
de Cultura na noite de quarta-feira, dia 15, em apoio à luta pela
memória, pela verdade e pela Justiça
De Salvador (Bahia) – A frase acima é da ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, ao discursar no ato de lançamento do Comitê Baiano pela Verdade (CBV), na noite de quarta-feira, dia 15, na capital baiana, O tom enfático da ministra, reafirmando o compromisso da presidenta Dilma Rousseff com o tema, coroou as diversas intervenções aplaudidas por mais de 100 pessoas que encheram o auditório do Conselho Estadual de Cultura, num anexo do Palácio da Aclamação.


Um cartaz, ladeado pelas bandeiras da Bahia e do Brasil, proclamava: “Justiça não é revanche – Queremos nossos mortos – Queremos a história – Queremos Justiça”.Embora sem esconder as dificuldades que o governo enfrenta quando se trata de mexer na lama dos crimes de lesa humanidade cometidos pela ditadura de 1964/1985, Rosário defendeu a agilização da aprovação do projeto de lei 7376/10, enviado ao Congresso Nacional pelo então governo Lula em maio do ano passado, propondo a criação da Comissão Nacional da Verdade; destacou o importante papel que jogarão os comitês pela verdade (até agora, já são 16 em todo o país) no trabalho de mobilização dos brasileiros, mobilização que será imprescindível para o êxito do processo.

E ao lado de coisas de praxe que todo ministro tem que dizer, tocou com clareza em abordagens delicadas: contou que, ao chegar para a solenidade, um repórter lhe perguntou, insistentemente, sobre a apuração de crimes dos “dois lados” (a nossa velha mídia sempre jogando contra as causas democráticas e populares, isto ela não disse, digo eu). A ministra, no seu discurso, esclareceu como via os “dois lados”: de um, o terrorismo de Estado, e do outro, a resistência dos lutadores sociais. Aliás – poderia até acrescentar -, massacrados pela superioridade militar dos repressores.

“Tortura como prática de Estado” continua em vigor pelo Brasil

Tocou ainda nas torturas que continuam vigentes nas delegacias de polícia – “tortura como prática de Estado” - e nos cinco recentes assassinatos de ambientalistas na região amazônica. E, claro, na impunidade: são dois mil processos policiais parados no Pará, Amazonas e Rondônia, revelou.

Emiliano José, Diva Santana (da Comissão de Mortos e Desaparecidos
Políticos) e Lídice da Mata
Emiliano José, deputado federal do PT-BA, ex-preso político que sabe no próprio corpo da dor da tortura, autor de vários livros mostrando aquela fase tenebrosa, martelou firme, lembrando os centros de tortura que funcionaram na Bahia, como os dos quartéis do Exercito no Barbalho (hoje quartel da PM) e em Amaralina. Como parlamentar, falou das negociações visando a aprovação da Comissão Nacional da Verdade, assunto também abordado pela senadora Lídice da Mata, do PSB-BA, ex-líder estudantil calejada nas batalhas contra a ditadura, saudada como a primeira mulher prefeita de Salvador e senadora baiana.

Mas de calejados na luta contra a repressão o auditório e a mesa dirigente estavam repletos. A maior parte democratas sinceros (o adjetivo é necessário porque depois da ditadura todo mundo virou, automaticamente, “democrata”, até gente da Arena e do PFL), socialistas e comunistas, cujas rugas e cabelos brancos testemunham muita tensão, muitos sonhos, muitas decepções e também muitas alegrias pelos êxitos e, particularmente, por se sentirem cidadãos à altura do seu tempo. Talvez à vista de tantos sessentões, a deputada estadual Fátima Nunes, do PT-BA, tenha se lembrado de ressaltar, como fez, a importância da juventude brasileira se apropriar da memória “daqueles tempos”.

“Mais uma etapa no longo caminho da construção de uma autêntica democracia”


Presidindo a mesa estava o professor Joviniano Neto, veterano militante da luta pela anistia na década de 70, hoje presidente do Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM-BA). Também na mesa representantes da Ordem dos Advogados do Brasil – secção Bahia (OAB-BA), Coordenação Ecumênica de Serviços (Cese), Ação Social Arquidiocesana de Salvador (Asa) e do Centro de Estudos Victor Meyer. As cinco entidades compõem a coordenação do CBV. Dentre outros, estava ainda o secretário da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Almiro Sena, representando o governador Jaques Wagner.

Mesa presidida pelo professor Joviniano Neto (no meio, entre
Maria do Rosário e Almiro Sena)
Joviniano anunciou que a programação da noite incluía a leitura do manifesto do comitê, mas para abreviar um pouco o ato, a leitura foi suprimida. Transcrevo um parágrafo: “A Comissão Nacional da Verdade é mais uma etapa no longo caminho da construção de uma autêntica democracia. Composta por expressivas personalidades, com poder para requisitar documentos e convocar testemunhas, com assessores qualificados e apoio da sociedade civil, terá condições de reconstruir com objetividade as violações de direitos humanos ocorridas, passar a limpo nossas instituições civis e militares e recolocar, na agenda política do Brasil, o compromisso com a memória e a verdade, nos alinhando aos demais países latino-americanos”.


Comentários

Joana D'Arck disse…
Boa! Gostei da cobertura.
Nil disse…
"Evidentemente" em tempo presente na busca por nossa memória e nossa história! Ótima reportagem!