O PAÍS (MÉXICO) ESTÁ PODRE (segunda/última parte)


Javier Sicilia, líder do Movimento Nacional pela Paz com Justiça e Dignidade: "Acredito
 que já é o tempo dos homens que se unem para transformar algo"
(Todas as fotos são reprodução da Internet)


Continuação da postagem anterior: entrevista reproduzida do sítio da Telesur (TV Telesul),conforme publicação de 17/05/2011.

Aissa García – Poeta, diga-nos por que a inquietação em torno da Lei de Segurança Nacional e por que a inquietação quando o senhor chegou ao Zócalo naquele 8 de maio, diante daquela imensa multidão, e pediu a renúncia do secretário da Segurança Pública, Genaro García Luna, o que aliás foi uma proposta bastante aclamada, as pessoas gritavam “fora, fora”. Conte-nos, por favor.

Javier Sicilia - Porque a Lei de Segurança Nacional está concebida como uma lei absolutamente violenta, quer dizer, é quase como caminhar em direção a um Estado policial ou militar e nós não queremos um Estado nem policial, nem militar. Cremos que a segurança pública não significa de maneira alguma mais violência, significa também refazer o tecido da Nação e isto implica educação, emprego, reforçar o campo, isto é, muitos setores que estão devastados no país.


Um dos autores da Lei de Segurança Nacional é o secretário da Segurança Pública e se lhe deu uma quantidade imensa de dinheiro e não temos um melhor país. Temos 40 mil mortos, não vai mudar nada a situação, porque é muito grave, com a renúncia de Genaro García Luna, mas podia ser uma mensagem de boa vontade do presidente para se saber que está disposto a discutir em outros termos, sem deixar de ver a parte que tem a ver com o Exército e a polícia, mas ampliá-la e repensá-la não seguindo nesta lógica da violência do Estado. Num Estado tão podre como o nosso, que só está alimentando a violência dos criminosos e que no centro estamos os cidadãos cada vez mais vitimados, com mais mortos e com mais dor. Neste sentido, estão unidas as duas propostas, mas não é um condicionante.


A muita gente surpreendeu e a mim mesmo me surpreendeu, eu não pensava dizê-lo, alguns membros do movimento não compartilham esta posição de pedir a renúncia do secretário, mas no meu caso e no caso de alguns a surpresa foi porque antes já se estavam ouvindo uns casos de vínculos entre a polícia e o narcotráfico.


No caso de meu filho também há esses elementos (…), mas, como disse, o importante não é a renúncia de Genaro Luna, o importante é o pacto, o importante é ter consciência de que temos que refazer o país.


AG - Falando de refazer o país, desde que o senhor fez essa convocação no Zócalo Capitalino, a convocação ao pacto nacional, surgiram em alguns meios de comunicação algumas críticas ao que o senhor propôs. Alguns deles que são afinados com o governo disseram que sua proposta favorece ao narco porque o senhor só está responsabilizando o governo pela violência que assola o país.

JS - É muita besteira pensar isso e é uma mostra do alzheimer social e do alzheimer jornalístico. Um grande filósofo, Charles Péguy, dizia que não há nada mais velho do que o jornal de ontem. Se esquece que a primeira convocação, a primeira mobilização que aconteceu em Cuernavaca se abriu com “Estamos hasta la madre”, um artigo meu, Carta aberta aos políticos e aos narcotraficantes.


Eu lhes dizia, inclusive na minha primeira coletiva de imprensa, lhes dizia que parassem, que voltassem a seus códigos de honra porque devem haver códigos éticos, nas mesmas máfias os havia e a resposta foi evidente. Agora, se o interlocutor não é o Estado, cuja função é dar a segurança, então simplesmente eliminamos o Estado e fazemos uma autogestão cidadã e vemos como enfrentamos o crime. Então o Estado já não existe, então que já não nos peçam impostos, que não nos peçam eleições, é uma contradição.

Com quem a gente vai conversar, quem é o interlocutor, o Estado ou os narcotraficantes?

Os narcotraficantes já nos responderam, que nos responda o Estado, cuja função é a segurança do país, cujas instituições não estão funcionando, então que nos digam qual é a lógica e como se move num alzheimer social. Estes opinadores, porque não são analistas, que trazem más ideias, parece que falam deles e não de mim.

AG - Falando de responsabilidades se diz que o governo é responsável por esta violência, mas também é uma responsabilidade compartilhada com os Estados Unidos, porque os Estados Unidos não fazem os controles para que as armas que matam aqui os mexicanos não cheguem ao México.

JS – Sim, o problema é grave, os Estados Unidos que buscam seus interesses globais nos impõem unilateralmente posições. É curioso, é o país que mais consume drogas e que além disso tende a legalizar algo muito mais perigoso que as drogas que são as armas, que são contundentes e se expandem, como estamos vendo.


Essas armas chegam ao país e armam os delinquentes e nós temos uma guerra e eles também têm chefes, muitos dos chefes que operam aqui estão lá e eles não têm uma guerra. Eu creio que o grande problema é que precisamente se tem que pensar que a droga não é um problema de segurança nacional, é um problema de saúde pública como o álcool.


Se começamos a olhar assim e metemos os narcotraficantes nas leis férreas do mercado, então vamos amenizar de alguma maneira o problema e se pode começar a atacar a delinquência organizada em seus níveis verdadeiramente criminais, como é o tráfico de pessoas, a prostituição infantil, como são muitas coisas fruto da diversificação do crime organizado, mas a droga deveríamos tirá-la daí.

E os grupos norte-americanos conscientes deveriam também exigir de seu governo que mude sua política frente ao problema das drogas e que mude sua política frente ao México no tema do armamento. Como vão controlar essas armas que entram no México?

De fato nesta caravana que estamos tratando de fazer rumo à Cidade Juárez, estamos pedindo aos mexicanos que tiveram que fugir da Cidade Juárez, mas também às organizações civis norte-americanas, que façam uma caravana também de regresso apoiando-nos, também com demandas ao governo norte-americano. Então creio que é um problema muito complexo, um problema que temos que resolver. É um problema muito complexo, o qual tem que ser pensado a partir de perspectivas mais sadias, mais republicanas, mais civilizadas. Eu falo a partir de realidades espirituais e morais e isto implica que a gente tem que aceitar males menores. A droga é um mal menor e teríamos que aceitá-lo, teríamos que legalizá-lo aceitando que é um fracasso do Estado e da sociedade, que não pudemos construir esse tecido moral que pudesse impedir a droga.

Os zapatistas se solidarizaram com o poeta Javier Sicilia e seu movimento contra a violência
AG – O senhor foi considerado por muitos como o poeta da palavra convocante, há muita indignação no país não só contra a violência, mas também contra os partidos políticos. Seu movimento vai incrementar esta luta contra a violência no país ou vai tomar outros rumos?


JS - Não sei, pois é um movimento cidadão, começam a emergir os atores. Eu sou como uma voz convocante, creio que apesar de que já não vou escrever poesia sigo sendo um poeta. A gente não pode renegar sua natureza e o poeta, já o dizia Hector Mallarmé, grande poeta francês, como a voz da tribo, no plano cidadão seria a voz cidadã.

Sou um convocante porque sou uma voz poética, mal ou bem a poesia convoca à comunhão, faz a comunhão, fala do melhor, do humano em sua forma de ser numa determinada tradição ou num determinado país e eu queria continuar sendo isso, uma voz da tribo, uma voz convocante, eu quero seguir sendo isso, porque não tenho interesses políticos, tenho interesses morais e espirituais.

Nesse sentido convoco o ethos de uma nação que encontrou nesta voz um poeta, a forma na qual se expressa o ethos e a ética e a vida fundamental, espiritual, humana da nação que quer refazer a vida política, uma vida política sem ética é um inferno como o estamos vivendo agora.

AG - Poeta, o poeta não morre, a poesia não morre, porém, o que vai ser este movimento, que não morra, que hoje em dia tem tanta força e tanto apoio popular?

JS - Depende da cidadania, da boa vontade da classe política, depende de que a cidadania entenda que a soberania está nela e não na classe política, que tenha instrumentos para exigir, fiscalizar e punir uma classe política que até o momento somente viveu para reproduzir poder, interesses e não para servir à nação. Mas, eu simplesmente seguirei sendo, até onde possa, até onde as pessoas queiram, uma voz que assinala onde há uma luz, mas todos temos que caminhar rumo a ela. Acredito que já não é o tempo dos homens providenciais, acredito que já é o tempo dos homens que se unem para transformar algo.

Tradução: Jadson Oliveira

Comentários

Manoel Porto disse…
Jadson,porreta.Mas,senti sua falta no grito da terra.
Manoel Porto disse…
Jadson,porreta.Mas,senti sua falta no grito da terra.