ZEQUINHA, O APAIXONADO

Por Roque Aparecido da Silva


Não são todas as pessoas que têm a fibra, a garra, a dedicação e a sensibilidade de Zequinha Barreto (foto). A luta contra a ditadura, a revolução social, a conscientização das pessoas sobre seus direitos eram as grandes paixões de Zequinha.


Outra coisa, é que não desgrudava do seu violão. Em qualquer lugar que chegava, formava um grupinho, tocava, cantava e começava a falar dos problemas sociais, da ditadura, da necessidade de se organizar para lutar por liberdade e por justiça social.


Trabalhava comigo na fábrica Cobrasma, em Osasco, São Paulo, e estudávamos à noite no CENEART (Colégio e Escola Normal Estadual Antonio Raposo Tavares). Quando chegou na Cobrasma procurando emprego, ofereceram-lhe a oportunidade de trabalhar no escritório. Zequinha, entretanto, preferiu ser "apontador de produção", ou seja, a pessoa que ia de máquina em máquina anotando a produção de cada trabalhador. Era o que ele mais queria. Assim podia estar em contato com todos os trabalhadores da sessão, conversando, despertando consciências. Na hora do almoço, cada dia sentava em uma mesa do refeitório da fábrica para conversar com pessoas diferentes. Depois de várias conversas, quando as pessoas se despertavam para a falta de liberdade, para a exploração que sofriam no trabalho, chegava a hora de conversar sobre a necessidade de se organizar. Propunha então que se integrassem nas atividades da Comissão de Fábrica, começassem a participar da luta dos trabalhadores e se filiassem ao Sindicato. Propunha também que participassem de um "Grupo de Estudo" para entenderem melhor a realidade que viviam e participarem de forma mais consciente das lutas dos trabalhadores.


Quando uma pessoa decidia se organizar e se dispunha a se integrar a um "Grupo de Estudos", Zequinha a colocava em contato com outros companheiros que cuidavam da organização e da formação das pessoas. E ele ia continuar seu trabalho de conscientização com os outros trabalhadores. Na linguagem da época, Zequinha era um grande "agitador", um despertador de consciências. Fazia isso como ninguém.


Zequinha tinha uma impressionante capacidade de liderança justamente por ser uma pessoa simples, humilde e muito comunicativa. Quando falava tinha uma enorme capacidade de mexer com o sentimento das pessoas. A fábrica Cobrasma, onde nós trabalhávamos em 1968, tinha mais de 3.000 empregados com uma longa tradição de luta. Desde 1962 existia uma "Comissão de Fábrica" que organizava as lutas dos trabalhadores na defesa de seus direitos. A maioria dos dirigentes da Comissão de Fábrica participava, desde o final dos anos 50, das lutas dos trabalhadores que culminaram com a conquista da "Comissão de Fábrica" em 1962 e dirigiam a Comissão desde então. Em julho de 1968, quando os trabalhadores iniciaram uma greve, ocupando a fábrica, Zequinha, que trabalhava na Cobrasma há pouco mais de um ano, foi a principal liderança do movimento. Quando a tropa policial se posicionou em frente ao portão da fábrica preparando-se para invadir e expulsar os trabalhadores lá de dentro, Zequinha fez um discurso dirigido aos soldados explicando que muitos deles tinham parentes ali dentro e que eles apenas estavam lutando por melhores salários e uma vida mais digna, conclamando os soldados a não obedecer às ordens do comando e não reprimir os trabalhadores. Nesse momento o comandante deu ordens enérgicas aos soldados que invadiram a fábrica espalhando o terror lá dentro. Mais uma vez, em uma atitude heróica, Zequinha ameaça incendiar um tanque de gasolina da fábrica, paralisando os soldados e, com isso, possibilitando que muitos trabalhadores saíssem da fábrica e não fossem presos. Zequinha, porém, foi preso e barbaramente torturado. Ficou 98 dias atrás das grades. Ao ser solto imediatamente se reintegrou à luta do povo brasileiro contra a ditadura, agora de armas nas mãos, juntamente com Lamarca e os demais companheiros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).


Como filho de Brotas de Macaúbas, mesmo tendo vivido vários anos fora, sempre estava presente, particularmente em Buriti Cristalino, onde viviam seus pais e irmãos. Quando a repressão se tornou mais violenta contra aqueles que lutavam nas grandes cidades, Zequinha voltou definitivamente para Buriti Cristalino e continuou a fazer o mesmo trabalho que fazia em todos os lugares por onde passava: conscientizar as pessoas, despertando-as para a luta contra as injustiças sociais, por uma vida digna e em liberdade. Foi nessa etapa que trouxe o Prof. Roberto (Luiz Antonio Santa Bárbara) para ajudar na luta.


Tinha que preparar rápido as condições para receber o capitão Carlos Lamarca, dirigente da VPR, nesse momento bastante desestruturada, pois seus principais militantes encontravam-se presos, mortos ou exilados. Lamarca não conseguia mais viver no Rio de Janeiro ou em São Paulo, pois era procurado como inimigo público número 1 pela repressão.


Lamarca integra-se ao MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro) e chega a Buriti Cristalino ao encontro de Zequinha no dia 29 de Junho de 1971. Foi para Lamarca uma época feliz. Formou um coletivo que era dirigido por Santa Bárbara, fazia trabalho de conscientização com camponeses, escrevia documentos, e até peças de teatro que o Professor Roberto apresentava com e para o povo de Buriti.


Com a queda de vários militantes do MR-8, a morte de muitos na tortura, acabam descobrindo seu esconderijo. Invadem Buriti Cristalino, matam Otoniel Barreto e Luiz Antônio Santa Bárbara, ferem gravemente Olderico Barreto, prendem todos do povoado e começa a caçada. No dia 17 de Setembro de 1971 assassinam covardemente os dois heróis. São heróis do povo brasileiro. E seguem conosco para sempre, até o momento em que a justiça e a liberdade sejam uma constante em nosso País.


(Roque Aparecido da Silva é sociólogo e um dos líderes da greve de Osasco em 1968. Presidente do Instituto Zequinha Barreto de Brotas de Macaúbas, é da coordenação dos eventos programados para este final de semana, dias 17 e 18, em Brotas, para marcar os 40 anos do assassinato de Lamarca e Zequinha).



Comentários