“TUDO DEPENDE TAMBÉM DE UM RENASCIMENTO DE UM MOVIMENTO SOCIAL DE ESQUERDA NO PAÍS” (Parte 1)


Sociólogo Ricardo Antunes, da Unicamp: "O único centro político no Brasil
que faz alguma reflexão, ainda que com dificuldades, é o MST"
(Foto: Fernando Leite/Jornal Opção)
Pequena parte da entrevista do sociólogo Ricardo Antunes, da Unicamp, concedida aos jornalistas do Jornal Opção, de Goiânia (fundado em 1975). Ele é autor de dezenas de livros e considerado uma das maiores autoridades na discussão de questões relativas ao trabalho. Como a entrevista é muito longa, este blog vai reproduzi-la por partes, começando, arbitrariamente, pelo fim, pelas quatro últimas perguntas. O título acima é deste blog.


Euler de França Belém — Quem vê o sr. falando pensa que a universidade brasileira é crítica aos governos do PT. Mas, ao contrário, parece uma universidade extremamente acrítica. Como o sr. vê isso?


Falei bastante, nos últimos minutos, de uma cena mais internacional. A América Latina e a China são hoje laboratórios de um experimento do socialismo do século 21. Se eu falasse dez anos atrás que o socialismo não morreu, porque nem começou, diriam que eu era louco. Hoje está fácil. Mas a gente escreve com cuidado, porque senão isso aqui (apontando o livro) vira estoque de sebo, livro por quilo. Eu dei mostras, aqui, de que o mundo vive uma turbulência. Mas o caso brasileiro é diferente. Costumo dizer que a eleição de Lula em 2002 foi uma vitória da derrota. A população brasileira, nós, votamos no Lula acreditando em certas mudanças. Mas elas não vieram, vieram essas de que tratamos aqui. Nos anos 1980 estivemos na ponta das lutas sociais — criação do PT em 1980, criação da CUT em 1983, MST surgindo e movimento Diretas Já em 1984, Assembleia Constituinte em 1986, a entrega de uma Constituição democrática em 1988, uma quase eleição de Lula em 1989 —, agora a temperatura está mais branda, ao contrário de outros países, como a Bolívia e a Venezuela.


Euler de França Belém — Então a universidade se acomodou?


Não é bem assim. A universidade não poderia passar por esse turbilhão. Li na “The Economist” [revista inglesa sobre economia e assuntos internacionais] falarem que a USP é uma boa universidade, mas tem um problema: os professores e funcionários tem estabilidade e os currículos estão envelhecidos e politizados. Olha só o que temos de ouvir da “The Econo-mist”! Temos de engolir isso! (enfático) E o que a “The Economist” faz há 150 anos, senão ser a ideologia mais pura do pior capitalismo? Eles falam o que querem e nós não podemos responder. Mas claro que a universidade sentiu, os recursos se escassearam. E na universidade pública, os recursos que se ampliaram são atrelados a um programa como o Reune, o professor já não tem mais aquela estabilidade e tranquilidade para pesquisas. É claro que o professor precisa prestar conta de seu trabalho, mas a pesquisa docente não tem de ter o tempo do capital, não pode ter um tempo de contrato de trabalho para vender abacaxi. É diferente, a pesquisa precisa ter maturação. A universidade sentiu tudo isso. Mas, imagine, se todas as nossas universidades fossem privadas, nós não estaríamos tendo esse debate aqui, porque viria alguém, do mundo do mercado, para falar por uma hora, mas antes perguntar qual seria o cachê. A universidade pública ainda é o espaço dos coágulos da reflexão crítica, que não existe mais nos partidos. O único centro político no Brasil que faz alguma reflexão, ainda que com dificuldades, é o MST, que criou uma escola chamada Florestan Fernandes, em homenagem ao mais importante sociólogo do País. A Unicamp tem tido a que vem. É preciso garantir o espaço de reflexão crítica, não é verdade que a universidade tem de seguir o modelo norte-americano de adequação ao mercado, senão acaba tudo. Não me surpreende que a universidade pública tenha sido profundamente devassada pelo mercado, mas não toda.


Euler de França Belém — Então André Singer [jornalista, cientista político e ex-porta-voz da Presidência no governo Lula] tem razão, esse grupo que aí está pode ficar mesmo 30 anos no poder?


Não é bem assim. Claro, o grupo hoje no poder tem demonstrado competência para segurá-lo e conta com dezenas de partidos aliados, toma medidas de assistencialismo social — reconhecidas pelo povo como melhorias — e tem uma oposição à direita que reúne o que há de pior. Nesse cenário pode ficar não 30, mas 50 anos. Mas é preciso observar que há lutas sociais e, assim como nos anos 1980 estivemos na ponta dessas lutas, pode acontecer que esse quadro — greves, manifestações, contexto latino-americano e crise internacional — podem alterar significativamente o cenário brasileiro. Eu diria que isso pode durar 30 anos, mas pode ser muito mais efêmero. Tudo depende também de um renascimento de um movimento social de esquerda no País. Muita gente pode dizer que não há nenhuma chance de isso acontecer, mas se eu falasse, há meses, que haveria esse processo de lutas, esse movimento na Inglaterra, na Espanha, na Europa como um todo, eu seria chamado de louco. Se um ano atrás eu dissesse que o mundo árabe iria virar de cabeça para baixo, da mesma forma eu não seria levado a sério. Então, é isso: a temperatura está aumentando. A história é construída a cada dia e, ao contrário do que dizia Hegel — que dizia que a história tinha um fim —, Marx diz que ela continua sempre, movida por embates e lutas sociais, que não se sabe onde vão parar. Quem poderia imaginar, em 1988, que a União Soviética iria cair inteira, sem que nenhum exército a invadisse? Ninguém!


Euler de França Belém — E como o sr. vê a Rússia, hoje?


A Rússia é a fotografia do que se chamou erroneamente de “fim do socialismo”. É uma confluência magistral entre capitalismo e máfia, que, no fundo, caminha muito bem tranquilamente, até porque todas as máfias estão imbricadas com o capitalismo. Aliás, é difícil encontrar um capitalismo que não pratique, aqui e ali, algo que, digamos assim, não tenha a ver com o que sempre foi a prática da máfia. A Rússia é uma fotografia disso e a tragédia, para um intelectual de esquerda, é que parte dessa máfia foi do Partido Comunista soviético, de sua variante stalinista. A stalinização de um partido comunista é uma tragédia para a esquerda. Vejo com muito mais pujança hoje as lutas sociais na China e na Índia. Não tenho dúvidas e anote para a gente conversar daqui a dez anos: haverá o ressurgimento de lutas sociais intensas também na Rússia, porque o povo vai dizer “aquela ditadura eu não quero mais, mas também não quero esse esquema mafioso que trouxe Coca-Cola, Microsoft e me tirou o emprego”. Há mais depressão, mais suicídios. Na Alemanha Oriental, depois da festa pela queda do Muro de Berlim, aumentaram os índices de depressão e de suicídios, porque havia a beleza do consumo, mas à qual não se podia ter acesso.

Comentários

R�mulo disse…
Olá Jadson,

Gostei muito de seu blog de esquerda, trazes algumas reflexões ótimas. Faça um link com o meu... admcritica.wordpress.com

Abraços,

Rômulo Cristaldo