NEODESENVOLVIMENTISMO, ESQUERDOFAGIA E ESQUERDA MARROM (vídeo)


De Salvador (Bahia)Transcrição, conforme vídeo acima, da parte final da palestra do professor Fernando Larrea, antropólogo equatoriano, mestre em Ciências Sociais, estudioso dos movimentos sociais da América Latina, durante seminário no último sábado, dia 24, na Faculdade de Arquitetura da Ufba, em Salvador. O debate foi organizado pela Oposição Operária, articulação de esquerda que edita a revista Germinal.


“Esses governos (considerados progressistas da América Latina) assumem fortemente uma retórica anti-neoliberal e, por outro lado, sugerem novo tipo de relações com os movimentos sociais. Isso situa um panorama diferente na América Latina. Com a retórica anti-neoliberal e a retomada do papel do Estado, que é a principal característica desses governos em relação ao período anterior, temos, então, a retomada do papel do Estado, principalmente como ator econômico fundamental (...) esses governos promovem um projeto neodesenvolvimentista muito forte, muito claro, como é o que acontece no Brasil, o que de outra forma está favorecendo uma nova inserção, uma dinâmica de inserção da região na economia global.


Esse projeto neodesenvolvimentista teria como elementos caracterizadores, por um lado, o desenvolvimento de projetos de mega-empreendimentos, grandes projetos de barragens, grandes projetos de infraestrutura, estradas, a história, por exemplo, da transposição do Rio São Francisco, com investimentos públicos e privados, a expansão da hegemonia do agronegócio como forma predominante da evolução capitalista no campo e o extrativismo dos recursos naturais com a participação das corporações multinacionais (...)


Esses governos, com um discurso anti-neoliberal, muitas vezes de esquerda, estão contribuindo fortemente para o processo de construção de hegemonia das classes dominantes nos países e o aprofundamento do desenvolvimento capitalista. É sintomático, nos últimos anos, os lucros das classes capitalistas... os setores capitalistas na Bolívia, no Equador, no Brasil, na Argentina, estão todos contentes, estão felizes porque, na verdade, não há grandes conflitos sociais, como foi no processo dos anos 90, são governos que têm um respaldo popular enorme, os quais, por um lado, enfrentam as demandas sociais com programas de luta contra a pobreza e, por outro lado, temos um processo de refluxo das lutas contestatórias.


São governos que, ao mesmo tempo, retomando um termo de um antropólogo mexicano (fala de indofagia(?), referência às questões indígenas que supostamente não podem ser atendidas devido à expansão do capitalismo e apropriação dos territórios indígenas, que têm suas reivindicações devoradas)... aqui poderíamos falar de que nesses governos estaria parecendo um processo em que eles cooptam totalmente o espaço da esquerda, não permitem a existência de outras expressões de esquerda que questionem essas dinâmicas existentes e, em alguns casos, até reprimem essas dinâmicas e devoram, ao se apropriar da esquerda... o Estado de esquerda devora essas outras expressões, então poderíamos falar de uma espécie de esquerdofagia, de governos esquerdofágicos.


Neste sentido, acho que é o que está acontecendo no caso equatoriano, um caso muito interessante. Com uma retórica muito fortemente, para fora, de esquerda, o governo está impulsionando um projeto de direita, um projeto político que elimina qualquer possibilidade de organização independente e autônoma dos movimentos sociais (...)


Por outro lado, essa expansão capitalista tem um processo de resistência, no qual elementos culturais e identitários se articulam com as lutas classistas. Esse processo está sendo vivenciado agora no Peru, no Equador, na Bolívia e no caso da Argentina e do Chile... estaria estabelecendo uma espécie de fratura, que começa a ser denominada como uma esquerda marrom... marrom pela tonalidade cinza das minas... inserida no projeto extrativista desses governos neodesenvolvimentistas... e uma esquerda vermelha, que começa a articular um discurso crítico, onde é fundamental a incorporação de elementos ecológicos, étnicos e das lutas das mulheres”.


(Transcrevo o áudio avaliando que a palavra escrita fixa melhor o entendimento. Embora acreditando que o sentido geral da exposição está preservado, alerto que, em alguns pontos, há algumas adaptações. Além disso, há sempre o risco de alguma expressão ou palavra mal captada, ainda mais levando em conta o sotaque equatoriano do expositor).


(Logo abaixo há um vídeo com pequena entrevista do professor Fernando Larrea. Este blog publicará ainda texto e fotos da cobertura do seminário da Oposição Operária).


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