ALTERNÂNCIA DO PODER NA VENEZUELA: QUE A REVOLUÇÃO BOLIVARIANA VÁ “AL CARAJO”




Chávez e Lula: "conselhos" entre companheiros de luta pela inclusão social e pela integração soberana da América Latina (Foto: da Internet)
De São Paulo (SP) – Primeiro uma historinha ilustrativa: há 53 anos atrás, logo após o triunfo da Revolução Cubana, estava o jovem e fogoso Fidel Castro tentando convencer o hoje general José Ramón Fernández Álvarez, conhecido como Gallego Fernández, a trabalhar para o novo governo que se formava. Gallego era militar de carreira e tinha se incorporado à luta contra a ditadura de Fulgencio Batista. Logo em seguida à vitória ia trabalhar numa grande empresa. Fidel tentava recrutá-lo para o governo revolucionário, mas Gallego resistia: estava satisfeito com a perspectiva do emprego, iria ganhar um bom salário, mais do que poderia lhe pagar o governo. Depois de esgotar seus argumentos, Fidel apelou: está bem, você vai cuidar do seu bom emprego, eu vou escrever um livro sobre a grande campanha de Sierra Maestra e a Revolução Cubana que vá “al carajo”.

Desfecho verdadeiro da historinha: a grande empresa perdeu seu promissor empregado, o tal livro de Fidel nunca foi escrito e os dois passaram toda a vida na luta pela construção e manutenção do socialismo na ilha.

O desfecho hipotético da historinha bem que poderia ser repetido agora na Venezuela, se o presidente Hugo Chávez, recém eleito para o terceiro mandato, seguisse os belos “conselhos” do nosso ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a importância fundamental da alternância do poder para a democracia.
Chávez com o povo: "Amor com amor se paga", diz ele (Foto: Comando Carabobo/France Presse)
Foi um “doce de coco” para a chusma de mais de uma dezena de jornais anti-chavistas da Venezuela. Os “conselhos” de Lula vieram de entrevista ao jornal ultra-direitista argentino La Nación, publicada na última quinta-feira, dia 18. Os periódicos venezuelanos, a grande maioria infatigáveis militantes da direita, fizeram a festa no dia seguinte. Os trechos mais destacados: "Para a democracia, a alternância de poder é uma conquista da humanidade e, por isso, é preciso mantê-la"; "Eu mesmo não quis um terceiro mandato"; "Porque, se o tivesse, teria querido um quarto mandato e depois um quinto. Então, se quero para mim, é querer para todos."

Lula: “O companheiro Chávez deve começar a preparar sua sucessão”

E mais: "Eu acreditava que Chávez seria melhor para a Venezuela (Lula apoiou Chávez durante a recente campanha pela reeleição). Agora creio também que o companheiro Chávez deve começar a preparar sua sucessão. Porque a Constituição permite que Chávez seja candidato por uma quarta vez, mas, quando ele perder, os adversários também poderão se candidatar quantas vezes quiserem, e isso acredito que não é bom".

Foi o manjar dos deuses tais “conselhos” para quem passa anos e anos mentindo, caluniando, distorcendo e manipulando informações buscando desgastar e derrotar eleitoralmente o líder venezuelano – por via de golpe de Estado, em abril de 2002, também não deu certo. Derrotar ou sepultar (literalmente), haja vista a campanha por sua morte durante o tratamento recente contra o câncer. Para quem teve que engolir aquele vídeo encaminhado via Foro de São Paulo, realizado em Caracas, em plena campanha eleitoral, no qual Lula fazia desfilar um rosário de elogios ao “companheiro Chávez” e fechava com o retumbante “tua vitória será nossa vitória”, frase sob medida para virar, como virou, manchete de capa de um jornal chavista (“Ciudad Caracas”, editado pela prefeitura da capital).

A mídia da direita, o partido mais forte das velhas oligarquias do país, pau mandado do império dos Estados Unidos, teve que engolir o apoio do “companheiro Lula”, teve que engolir o triunfo eleitoral de 7 de outubro e a segunda reeleição do comandante. Agora se refastelou um pouco encima da excelência democrática da alternância do poder. (Quando eu transitava pelo aeroporto de Caracas, na segunda-feira, dia 22, vindo para cá após quatro meses de vida caraquenha, vi um dos jornais anti-chavistas (“Tal Cual”) ainda em festa, na sua primeira página, em função dos tais “conselhos”).

A verdade é que nosso Lula, ao lado de ter um inegável prestígio entre os povos em luta dos nossos vivinhos latino-americanos, tem o perfil de um invejável democrata, com um invejável cabedal: oito anos de política de inclusão social no “poderoso gigante” país sul-americano e um dos maiores líderes da política de integração soberana da América Latina. Um democrata sincero e convincente, porque às palavras segue o exemplo incontestável: recusou um terceiro mandato, que a maioria do povo brasileiro com certeza lhe daria de bom grado.

Faltou Lula fazer uma consulta à maioria do povo da Venezuela

A festa da raivosa direita venezuelana não empana esta verdade: trata-se de um notável cabedal e de um notável democrata. Um democrata sincero, acredito piamente, e sensível às necessidades do povo carente, porque, inclusive, já foi um deles. Mas, tem sempre um porém e, neste meu arrazoado, vou dividi-lo em dois:
A imensa "maré vermelha" pelas ruas e praças de Caracas no encerramento da campanha eleitoral em 4 de outubro (Foto: AVN)
1 – O nosso Lula, com todo respeito, se tivesse tido oportunidade e zelo, poderia, de alguma forma, ter feito uma consulta ao povo venezuelano. Quer dizer, àquela maioria pobre do povo venezuelano. Àquele povo insurgente de bairros populares de Caracas como 23 de Enero (Janeiro), Petare, Catia e etc, àquele povo aguerrido das “barriadas” (morros, favelas) caraquenhas, que agora, na era do venerado comandante, já sentem como é bom fazer três refeições por dia, sabem o que é ter atendimento médico de graça, sabem o que é ter as portas abertas das universidades, sabem o que significa uma moradia digna e já aprenderam a sonhar com o socialismo – uma democracia que não seja apenas para os ricos.  

Esse povo, tenho certeza, nunca aceitaria pacificamente que seu amado líder se aposentasse, assim, assado, em nome da excelência democrática da alternância do poder. Nunca perdoaria ao seu querido líder se um dia desses ele decidisse deixar o comando da revolução, depois de, tantas vezes, fazê-los lutar e sonhar com o socialismo – “a maior soma possível de felicidade”, como repete Chávez citando o Libertador Simón Bolívar -, reunidos naquele “mar de gente”, naquela “maré vermelha” pelas avenidas e praças de Caracas e do país;

2 – Ser um democrata sincero e solidário ao povo pobre, como o é Lula, não é pouca coisa, é muita coisa. Chávez também o é, já o provou inúmeras vezes. Mas - me atrevo a afirmar - Chávez é mais do que isso: é um chefe revolucionário, que luta e sonha em destruir o capitalismo e suas misérias, que luta e sonha em construir, com o insubstituível protagonismo do povo, o Poder Popular, o Poder Comunal, numa palavra, o socialismo. Esse – me atrevo a afirmar - é seu compromisso de vida. E as organizações populares nem imaginam abrir mão de sua liderança, porque sabem que, pelo menos por enquanto, seu carisma e sua popularidade são imprescindíveis para o avanço da revolução.

Chávez nunca chegaria a tornar verdadeiro aquele desfecho hipotético usado como força de argumento por Fidel – por sinal, seu guru. Nunca diria ao seu  povo uma frase que poderia ser mais ou menos assim: bem, companheiros, já dei minha contribuição, já enfrentei um câncer, já estou chegando aos 60, compreendam, vou seguir os “conselhos” do “companheiro Lula” e a Revolução Bolivariana que vá “al carajo”.

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