A PLAYBOY E A CRISE DA ABRIL

 
Por Gilberto Maringoni - reproduzido do Correio do Brasil, de 11/06/2013

Está se disseminando na internet uma crítica supostamente bem pensante diante da possibilidade do fim da revista Playboy, editada pela Abril. O lamento indica que a revista perdeu qualidade nos últimos tempos. Em lugar de capas com Cristiane Torloni, Sônia Braga, Maitê Proença e outras, temos agora desconhecidas que se notabilizaram em algum desfile de carnaval ou em programas vulgares de televisão.

Sejamos claros: o principal atrativo de Playboy são as mulheres. Sempre foi. Diferentemente de outras revistas masculinas nos anos 1950/60, que eram discretas no apelo sexual – como a Esquire nos EUA e a Sr. no Brasil -, a Playboy tinha um marketing genial para vender mulher pelada: entremeava as fotos com artigos e entrevistas de qualidade.

Mas os textos sempre foram salada de churrascaria, ou seja, complemento do prato principal. Tanto que nunca a revista colocou como capa uma entrevista com Fidel Castro ou um conto de Garcia Marquez ou Hemingway. Com isso ela podia ser lida sem culpa por executivos modernos, senhores respeitáveis e chefes de família. Quase uma coisa cabeça.

As mulheres também eram “finas” e “classudas”. Ou seja, inatingíveis e destinadas ao deleite dos olhos. Um editor me falou nos anos 1980: “São para punheta, não para se comer, pois a revista nunca estimula o adultério”. Mulheres para consumo na solidão de banheiros e nunca para amantes.

A desculpa de que nos últimos anos a publicação se vulgarizou e se tornou uma revista de BBBs e de subcelebridades é avaliação das mais cafajestes que se pode fazer. Enquanto as moças eram da “elite” (com cachês supostamente milionários), a revista era boa; agora, com “essas vagabundas aí” (que devem receber muito menos), ela perdeu a linha.

Na verdade, o que leva Playboy à decadência é a superoferta de pornografia na internet (sim, é isso que a revista sempre vendeu, em versões mais ou menos soft). Mulher em suas páginas sempre foi objeto, seja em seus áureos tempos, seja nesses anos de elevação das camadas populares ao consumo de massas.

No fundo, a crítica limpinha e cheirosa à “vulgarização” da Playboy é muito semelhante àquelas que deploram os aeroportos por parecerem rodoviárias, com aquela gente de chinelo e bermuda tomando avião.

Só que o pessoal de bermuda e chinelo busca o produto na rede.

Playboy é vítima do mercado que ajudou a abrir.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC. Doutor em história pela Universidade de São Paulo, é autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

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