É HORA DE VOLTAR ÁS RUAS

Artur Scavone
Não há governo que por si só faça reformas profundas sem que seja pressionado pela força de milhões. É preciso voltar urgente às ruas, em defesa do plebiscito e da reforma política.
Por Artur Scavone (foto), de 04/07/2013 (artigo enviado por Otto Filgueiras, jornalista baiano há muito radicado em São Paulo)
É preciso entender que o governo federal, acuado pelas ruas, deu um passo à esquerda. Não perceber esse movimento e pensar que o plebiscito é uma mera manobra para protelar decisões e ganhar tempo é não entender o mais grave de toda a situação: o modelo pelo qual Lula se elegeu – capitalistas e trabalhadores unidos sob uma nação que se desenvolve alegre e feliz – está dando sinais de esgotamento. E se o cobertor encurtou, alguém vai ficar com os pés de fora neste frio. É isto que está em disputa.
Os conservadores sabem que o cobertor está encurtando, mas padecem de dois problemas para retomarem por completo o controle e impor sua agenda: em primeiro lugar, não conseguiram desconstruir o mito que ocupa a cabeça do trabalhador brasileiro, do operário que virou presidente e fez o que os outros políticos não conseguiram, distribuir renda e promover o crescimento, tirar milhões da miséria absoluta; em segundo, não conseguiram até agora construir uma alternativa viável a Lula.
Mesmo assim, desconstruir esse mito, mostrar sua inviabilidade, desfazer o sonho de uma nação alegre e feliz – que Lula tão bem tem representado – e caracterizar tudo isso como um sonho de uma noite de verão, esta é uma meta fundamental para voltar a dar credibilidade aos comentaristas de plantão que insistem: o único caminho é o arrocho, desemprego, mais juros e redução dos gastos públicos. Esse é o papel fundamental do PIG (Partido da Imprensa Golpista), é preciso desacreditar a capacidade popular.
O governo Dilma sabe que precisa do apoio dos trabalhadores, não só para se reeleger, mas para conseguir ficar até o fim do seu mandato e preservar as conquistas sociais. E os erros que o PT cometeu durante todo este tempo, particularmente por não ter trabalhado pelas reformas estruturais que ampliassem o espaço democrático e o controle popular sobre o público, agora cobram sua falta nas manifestações que reclamam dos rumos tomados pelos investimentos federais. Os jovens de classe média foram às ruas porque ficaram espremidos no meio da pirâmide, cada vez com mais gente disputando os mesmos precários serviços sociais, e porque desacreditam nas instituições e partidos.
É preciso canalizar essas forças para a disputa das reformas e para preservar as conquistas sociais, porque há dois caminhos postos efetivamente à luz do dia até agora: o projeto Lula/Dilma e a possibilidade Aécio/Campos. Há outro caminho? Sim, o outro caminho é as manifestações de rua cobrarem do projeto Lula/Dilma sua conta, exigindo mais democracia e maior distribuição de riqueza. Não há governo que por si só faça reformas profundas sem que seja pressionado pela força de milhões. É preciso voltar urgente às ruas, em defesa do plebiscito e da reforma política.

"Ouso o palpite de que ninguém segura e dirige a revolta das ruas": seria a barbárie?
Comentário de Otto Filgueiras (04/07/2013):

Sou testemunha da seriedade de Arthur Scavone, pois acompanho sua trajetória há muitos anos. No entanto, mesmo com problemas de saúde e avariado pela velhice, o repórter se pergunta se não estamos na ante-sala da barbárie capitalista, resultado da transição conservadora da ditadura para a “democracia”, da desmoralização dos partidos de esquerda, exacerbado pela mídia comercial e pela direita, e de um discurso velho de pessoas também velhas que não se deram conta de que o seu tempo passou. Além de uma política econômica que vem de Sarney, depois o neoliberalismo de Collor, FHC e o social liberalismo dos governos Lula e Dilma.

É verdade que os governos Lula/Dilma inseriram milhões de consumidores no mercado, a ponto de se dizer que mais gente passou para a “classe média”. Ora, classe média não é classe, pois o que define a posição social das pessoas é seu lugar no sistema produtivo. E essa gente tem um viés conservador, quer um lugar ao sol no sistema capitalista. Ilusão , pois o capitalismo é inviável, como demonstrou Marx no Capital, pois além de levar a infelicidade da maioria do povo, ele mesmo provoca suas crises, sempre de superprodução, é anárquico, se autodestrói, para os capitalistas mais fortes engolirem os mais fracos e estreitando cada vez mais a possibilidade de inserir mais gente no sistema produtivo.

Cá com meus botões me pergunto se os revolucionários de ontem não perderam sua hora e sua vez há muitas décadas. Afinal, até hoje o modo de produção socialista eficiente, inclusive tecnologicamente, não foi desenvolvido em nenhum lugar do mundo. Ouso o palpite de que ninguém segura e dirige a revolta das ruas. Nem a esquerda organizada, nem a direita. Temo que a previsão de Friedrich Engels “Socialismo ou barbárie” esteja se manifestando, pois vivemos uma situação de barbárie há muito tempo e nos acostumamos a ela, muito parecido com a dor de dente, às vezes até de canal, não tratada durante anos e anos. A pessoa fica irritadiça, mas se acostuma com a dor. A esperança é que depois desse Mad Max, no Brasil e em vários países do mundo, essa meninada representada pelo Movimento Passe Livre desenvolva uma alternativa revolucionária e se geste um modo de produção socialista superior ao capitalismo, como pretendia Marx. 

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