Os
moços e moças de roupa preta e máscara preta certamente acreditam que estão
contestando o sistema capitalista, mas eles são um álibi perfeito para a
violência policial contra as manifestações de rua.
De
São Paulo (SP) – Minha amiga, há muito não te escrevo.
Quebro o jejum hoje pra te falar do fenômeno chamado black bloc, a tradução literal
seria bloco negro, são jovens aparentemente classe média vestidos de preto, com
máscaras pretas, que se metem nas manifestações de rua do movimento democrático
e popular e saem depredando tudo o que encontram pela frente: ônibus, abrigos
de parada de ônibus, fachadas de prédios públicos, etc, etc, seus alvos preferidos
são as vidraças de agências de bancos, símbolos mais vistosos do capitalismo.
Você deve estar acompanhando aí pela TV, é o “espetáculo”
predileto da mídia hegemônica atualmente, são os “vândalos”, como eles chamam.
Não sei até que ponto a querida amiga está inteirada: os grupos black bloc representam
um tipo de ação, uma filosofia política de matriz anarquista, surgiram na
Europa no início dos anos 80, não se organizam numa entidade ou num partido,
por exemplo. Na verdade, não são formalmente organizados, não têm lideranças
explícitas, atuam de forma horizontal e se mobilizam através das redes sociais
da Internet, em especial o Facebook.
Repúdio e acusação de corrupção ao governador Geraldo Alckmin desfilaram em duas grandes faixas (aí uma delas) |
Repetindo a voz ao megafone, os estudantes comentaram e festejaram a decisão judicial que lhes deu mais 60 dias para desocupação da Reitoria da USP |
Felipe Moda (camiseta amarela), do DCE, na cabeça do desfile, um dos que coordenavam a movimentação |
Então, já virou rotina o noticiário: os protestos começam
pacificamente com suas bandeiras e reivindicações e, do meio pra o fim, ou no
final, vem o belo espetáculo pirotécnico do quebra-quebra e do enfrentamento
com a repressão policial. Depois o número de feridos entre manifestantes e
policiais e o número de prisões.
Manchete da capa da Folha
de S.Paulo da quarta-feira, dia 16: “Atos em SP e no Rio têm depredação e
176 prisões”. Foram pelo Dia do Professor, dia 15. Os professores do ensino
público estão em greve no Rio de Janeiro há mais de dois meses e, aqui em SP, a
manifestação, além de solidariedade aos grevistas, foi pelo ensino público e pela
democratização da USP (Universidade de São Paulo – do estado de SP): eleição
direta para reitor e reforma dos estatutos. Havia umas 3.000 pessoas, a maioria
estudantes da USP, cuja Reitoria está ocupada desde o início do mês.
Tensão
permanente durante a passeata
Eles se concentraram na Avenida Brigadeiro Faria Lima
(perto da estação do metrô), no bairro de Pinheiros. A partir das 18 horas
marcharam e pegaram a Avenida Rebouças. Após a Ponte Eusébio Matos, saltaram ou
passaram entre as barras dum alambrado e desceram uma rampa para a Avenida
Marginal. A ideia era chegar até o palácio do governador no Morumbi. Seria ao
todo um percurso de 13 quilômetros, conforme me informou Felipe Moda, 24 anos,
que estuda Ciências Sociais e faz parte da direção do DCE Livre da USP (é dum
coletivo estudantil chamado Movimento Primavera).
Discussões tensas entre os que tentavam coordenar o ato e o pessoal do black bloc, enquanto se ouvia a consigna: "É o governo o inimigo, seja bem-vindo quem quiser lutar comigo" |
Muitos tentaram, sem muito sucesso, demarcar o terreno entre os dois tipos de manifestação |
Uma das duas vidraças quebradas numa concessionária Honda, na Avenida Rebouças |
Durante a passeata – com faixas, cartazes, bandeiras de
partidos e entidades e gritos com palavras de ordem, como de praxe – davam-se a
todo momento discussões entre os que tentavam coordenar o ato e o pessoal black
bloc. Era uma tensão permanente. Alguns de máscara preta chegaram a jogar uns
sacos de lixo contra manifestantes. E tome discussão, uns gritavam ao redor: “É
provocação!”, “o inimigo é a polícia, porra!” Ainda na Rebouças os black blocs
quebraram duas vidraças numa concessionária da Honda. Seria a primeira
depredação da noite em SP.
E assim chegaram à Marginal, como relatei acima. E,
enquanto manifestação organizada pelos universitários da USP, acabou aí, bem
longe do palácio do governador. A Polícia Militar, que até então acompanhava o
ato só se ocupando do trânsito, atacou com sua tropa de choque, na base de
bombas de gás, e dispersou o pessoal. Um pouco antes vi um policial apontar
para um clarão, denunciando se tratar de coquetel molotov, e um outro, que
comandava – certamente oficial -, chamar com gestos apressados a tropa de
choque, gritando “fogo, fogo!”.
Minha amiga, foi uma agonia. Daí em diante não sei
relatar o que realmente aconteceu. Me meti no meio de manifestantes – me lembro
que alguns, revoltados, gritavam “filhos da puta!” – que subiram uma rampa
saindo da Marginal. Os olhos ardiam e eu tentava proteger a respiração com um
lenço, mas foi fraca a carga de gás que me atingiu. Não conheço a região. Sei
que me vi com grupos – que cogitavam se reorganizar - numa confusão de
trânsito, a duas quadras da estação de metrô de Butantã. Passava das 20 horas
quando embarquei no metrô.
Descendo a rampa da Ponte Eusébio Matos para a Avenida Marginal |
Pelo que se pode deduzir do noticiário de jornais e TVs,
a noite foi mais larga para os principais protagonistas do espetáculo em que se
transformam os protestos de rua no Brasil, desde as históricas jornadas de
junho: os black blocs e a polícia.
Conclusões
preocupantes:
1 – Os black blocs, sem querer, dão à polícia uma fácil
justificativa para a repressão violenta, imagino que com o respaldo da maioria
da população;
2 – Os black blocs criam uma tensão a mais, uma
dificuldade a mais para o movimento democrático e popular;
3 – Os black blocs e a repressão policial afugentam
parcelas mais amplas da população que poderiam aderir às manifestações de rua;
4 – E os monopólios da mídia hegemônica, tarimbados em
criminalizar os movimentos sociais, especialmente os de esquerda, deitam e
rolam na demonização dos “vândalos” (ou seja, os black blocs, não os
policiais).
É isso aí, minha querida amiga, antes a velha mídia
cobria as manifestações de rua como um problema de trânsito, agora como um
problema de vandalismo.
Na próxima carta espero falar de assuntos mais “leves”,
beijo.
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