ATILIO BORON: AGÊNCIAS E INSTRUMENTOS “MADE IN USA” DA SEDIÇÃO NA VENEZUELA



Graças a seu férreo controle da imprensa escrita, radiofônica e televisiva, a direita e o imperialismo denunciam o governo bolivariano por acossar a oposição e reprimir manifestações “pacíficas”.


Por Atilio A. Boron, no seu blog


Se há uma pergunta que resulta ociosa  – e até ridícula! - em relação à situação reinante na Venezuela é aquela em que se interroga se os Estados Unidos estão jogando ou não um papel nos desmandos e violentos distúrbios promovidos por um segmento da oposição que transitou do protesto pacífico à sedição, entendida esta como toda ação que pretenda mudar pela via da violência a ordem constitucional ou as autoridades legalmente estabelecidas num país. Graças a seu férreo controle da imprensa escrita, radiofônica e televisiva, a direita e o imperialismo denunciam o governo bolivariano por acossar a oposição e reprimir manifestações “pacíficas”, sendo que só o fez depois que as forças de segurança do Estado toleraram toda classe de agressões, através de atos e palavras, e que os sediciosos se lançaram “pacificamente” a incendiar edifícios governamentais, meios de transporte ou a destruir centros de saúde, escolas ou qualquer propriedade pública. A foto que acompanha este post é de tal eloquência que poupa maiores comentários.
A pergunta é ociosa, dizíamos, porque a ingerência dos Estados Unidos na Venezuela obedece a própria lógica do império: dado que Washington exerce um poder global, planetário, ainda que declinante, seria absurdo pensar que permaneceria de braços cruzados num país que atualmente conta com a maior reserva de petróleo (comprovada por fontes independentes) do mundo, superior à da Arábia Saudita e situada a poucos dias de navegação de seu grande centro receptor de petróleo importado, Houston. Os Estados Unidos se envolvem permanentemente em todos os países, com variável intensidade segundo sua significação geopolítica global. Como a Venezuela tem uma importância excepcional neste item, não é casual que a Casa Branca tenha exercido uma permanente vigilância e influência ao longo de todo o século 20, para assegurar que a riqueza petroleira seria explorada pelas empresas apropriadas; que depois do Caracazo (insurreição popular de 1989) intensificasse sua ingerência diante da certeza de que a velha ordem da Quarta República estava desmoronando; e que com a chegada de Hugo Chávez Frías ao governo conspirasse ativamente para derrocá-lo, primeiro promovendo e reconhecendo de imediato o golpe de 11 de abril de 2002 e, fracassado este, impulsionando o “golpe petroleiro” de dezembro 2002-março 2003. Frustrado este novo intento e derrotado seu projeto continental, a ALCA, em Mar del Plata, precisamente com a ação destacada de Chávez Frías, os Estados Unidos tentaram por todos os meios acabar com Chávez e o chavismo. Porém nada disto resultou como queria o império, e sua intromissão em assuntos internos de terceiros países continua seu curso. Quem tenha dúvidas consulte os dados aportados por Wikileaks ou as revelações de Edward Snowden sobre a espionagem em escala planetária, contra aliados e inimigos por igual, praticada pela NSA, a Agência Nacional de Segurança.


Para intervir nos países, os Estados Unidos contam com um grande número de agências e instituições: algumas públicas, outras semipúblicas e muitas de caráter privado mas sempre articuladas com as prioridades de Washington. A CIA é a mais conhecida, mas está longe de ser a única; o Fundo Nacional para a Democracia (National Endowment for Democracy, ou NED) é um de seus principais aríetes nesta campanha mundial. O NED é um “desestabilizador invisível”, como o denomina um expert no tema, Kim Scipes, da Universidade Purdue (nos EUA). Numa matéria recente este autor demonstra que apesar do NED pretender passar por “independente”, foi criada pelo Congresso dos Estados Unidos durante a presidência de Ronald Reagan (não precisamente um democrata!) e graças a um especial pedido de tão arqui-reacionário presidente. Conta para seu funcionamento com vultosos fundos públicos, aprovados pelo Congresso e entre os membros antigos e atuais de sua direção sobressaem os nomes de algumas das principais figuras do establishment conservador dos Estados Unidos, como Henry Kissinger (segundo Noam Chomsky, o principal criminoso de guerra do mundo);  Madelein Albright;  Zbigniew Brzezinski; Frank Carlucci (ex-diretor adjunto da CIA); Paul Wolfowitz; o senador John McCain; o  indizível Francis Fukuyama e outros falcões da direita norte-americana. Um dos seus primeiros diretores, Allen Weinstein, da Universidade Georgetown, admitiu numa matéria publicada no Washington Post, em 22 de setembro de 1991, que “muito do que hoje nós fazemos foi feito veladamente pela CIA há 25 anos.”[1] O NED opera através do seu núcleo central e duma rede de institutos, vários dos quais estiveram atuando intensamente na Venezuela desde 1997, quando a maré chavista aparecia já como inexorável. Os principais são o Instituto Republicano Internacional (dirigido por McCain); o Instituto Nacional Democrático para Assuntos Internacionais (dirigido por Albright); o Centro para a Empresa Privada Internacional, manejado pela Câmara de Comércio dos Estados Unidos; e o Centro Estadunidense para a Solidariedade Operária Internacional, manejado pela AFL-CIO. 


No Informe Anual do NED correspondente a 2012, que é o último disponível, se revela que apenas nesse ano o NED destinou 1.338.331 dólares a organizações e projetos na Venezuela, em áreas como responsabilidade governamental, educação cívica, ideias e valores democráticos, liberdade de informação, direitos humanos e outras correlatas. Além disso, nesse mesmo ano destinou 465.000 dólares para reforçar o movimento operário na América Latina, enquanto que o Instituto Republicano Internacional aportava 645.000 dólares e o Instituto Nacional Democrático para Assuntos Internacionais contribuía com outros 750.000 dólares. Estamos falando de somas oficialmente registradas aportadas pelo NED. Quer dizer, a ponta do iceberg, se se levam em conta os aportes por baixo do pano feitos pela CIA, a NSA, a DEA e tantas outras agências públicas, para não falar dos que procedem do mundo privado, por exemplo, a Fundação Sociedade Aberta de George Soros, ou o Diálogo Interamericano, que também canalizam fundos e oferecem assistência técnica para “fortalecer a sociedade civil na Venezuela”, isto é, para organizar e financiar a oposição antichavista inventando um (Henrique) Capriles ou um (Leopoldo) López nesse país, ou um Mauricio Rodas recentemente no Equador. Um cálculo feito por Eva Golinger, advogada e especialista na relação Estados Unidos-Venezuela, atesta que desde 2002 até hoje os Estados Unidos transferiram, através de suas diversas agências e instituições “promotoras da democracia e da sociedade civil”, mais de 100 milhões de dólares para apoiar as atividades da oposição ao governo bolivariano. Tudo isto não só violando a legislação vigente na Venezuela como também a que os Estados Unidos mantêm no seu próprio território, onde está absolutamente proibido que organizações de terceiros países financiem partidos ou candidatos nas eleições desse país. Porém, a mentira e o duplo discurso são dispositivos essenciais para a sustentação do império. Isto foi muito antes advertido por Simón Bolívar, que, com sua excepcional clarividência, sentenciou que “nos dominam mais pela ignorância do que pela força.”


Atilio A. Boron (foto) – Cientista político e sociólogo argentino de nascimento e latino-americano por convicção.

Tradução: Jadson Oliveira

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