AINDA É NECESSÁRIO RELEMBRAR A DITADURA QUE NÃO ACABOU

Mesmo com a volta da democracia, as estruturas da ditadura perduram. Nossos mortos continuam a nos olhar e a nos questionar o que faremos de suas lutas.

Por Roberto Brilhante (texto e fotos), no portal Carta Maior, de 31/03/2014

Quanto há do passado no presente? Diversos movimentos sociais tentaram, na manhã desta segunda-feira (31/03), responder a esta pergunta durante o ato "Ditadura Nunca Mais", convocado pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva", no 36° distrito policial da rua Tutóia, em São Paulo. Antiga sede do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), o local foi durante a ditadura civil-militar um dos palcos do terror de Estado contra os presos políticos, que ainda não terminou.

As chagas dos torturados que sobreviveram não cicatrizaram, nem cicatrizarão jamais. Durante o ato, ocorreram diversas apresentações cênicas e musicais que tentaram transmitir os horrores sofridos nos porões da ditadura e o espírito de resistência que tomou conta dos lutadores que combateram de diversas maneiras as violências de Estado. O teatro foi hoje um meio onde nos emocionamos e conhecemos mais de perto desde a violência sexual ocorrida durante as torturas ao abuso de poder dos oficiais do estado.

A espera por justiça continua a torturar muitas famílias. A transição democrática não previu a punição daqueles que participaram do estado de exceção e muitos familiares ainda não puderam conhecer o destino de seus entes queridos, mortos pela ditadura e ainda soterrados pela ineficiência do poder público em oferecer um enterro digno àqueles que lutaram por justiça social.

E durante estas "descomemorações" dos 50 anos do golpe militar, muitos tentam colocar como "erros" do passado o que foi na verdade condição de suas próprias existências. Talvez o caso mais notável seja o da Rede Globo que, em agosto do ano passado, escreveu em seu jornal um pedido de desculpas pelo apoio “editorial” à ditadura militar. Mas o que seria da Globo sem a ditadura? Teria ela o tamanho que tem hoje se não tivesse sido o órgão de comunicação oficial dos militares? Hoje estacionam seu furgão do outro lado da rua Tutóia por medo de represálias dos manifestantes, mas no passado tinham vaga preferencial dentro das dependências do Doi-Codi.

E, enfim, quanto há do passado no presente? No Brasil, muito. Mesmo com a volta da democracia, as estruturas da ditadura perduram. A reforma agrária não foi feita. A polícia continua militar e mata mais do que nunca. Os meios de comunicação estão longe de serem democratizados. Ainda não demos nome a todos os bois. E nossos mortos continuam a nos olhar e a nos questionar o que faremos de suas lutas.
 

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