MILITANTE HISTÓRICO DO MST COMPLETA SEUS 80 ANOS E CONTINUA NA LUTA PELA TERRA



Manoel da Conceição (Foto: Marcelo Cruz/Brasil de Fato)
Por João Pedro Stedile, da Página do MST, de 25/07/2014

Confira homenagem de João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, a Manoel da Conceição, militante histórico do movimento, que hoje completa seus 80 anos:

Ao Camarada Manoel da Conceição,

Gostaríamos muito de estar com você e toda companheirada, nessa data em que celebramos seus 80 anos.

Alguns anos de vida nos separam. Mas um só compromisso de classe nos une: a luta por uma Reforma Agrária libertadora!


Não falo de pessoas, falo do movimento que a classe dos camponeses fez nesse país. Muitos lutadores nos antecederam na disposição de ajudar a organizar o povo sofrido, para que lutasse por seus direitos e por uma sociedade mais justa. 

Na breve história de nosso país, tivemos tantos povos indígenas que se levantaram,  tantos quilombos que se formaram. Depois tivemos a formação da classe camponesa, e com ela surgiram as rebeliões de Contestado, Canudos, e muitas outras por todo território.

O século XX foi permeado de lutas camponesas de norte a sul do país. E à medida que a classe foi adquirindo consciência de classe para si, como nos explicou nosso querido Paulo Freire, se multiplicaram organizações de caráter classista e nacional.

Tivemos as  Uniões de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTABs), as Ligas Camponesas, o Movimento de Agricultores Sem Terra (MASTER) e a formação dos sindicatos de trabalhadores rurais.

Porém, a classe dominante brasileira nunca admitiu dividir a terra, ainda que ela fosse um bem natural, que deveria pertencer a toda sociedade brasileira.

E quando chegamos mais próximos de alcançarmos uma verdadeira Reforma Agrária, com a proposta de nosso querido Celso Furtado durante o governo Goulart, ela apelou para a força militar e bloqueou a possibilidade de justiça social no campo. Amargamos 21 anos de ditadura militar.

Depois de 84, retomou-se a luta da classe camponesa, ressurgiram as ocupações de terra, as mobilizações, as marchas, os enfrentamentos, e com elas a reconstrução das mais diferentes formas de organização sindical, social e política dos camponeses. E daí renasceu, em nova forma de organização dos camponeses, o nosso MST.

Relembro a você e aos camaradas que o cercam esses fatos históricos, porque você esteve envolvido pessoalmente com a luta da classe camponesa desde 1964 até os dias de hoje.

Você, muitos companheiros e lideranças, pagaram caro pela ousadia de enfrentar a tirania dos latifundiários. Muitos deles com farda, toga ou empossados em cargos públicos, como se fossem legítimos. 

Muitos camponeses pagaram com a própria vida. Outros perderam a família. Muitos foram para o exílio. E milhares foram presos, torturados, sem que até hoje a sociedade brasileira reconhecesse plenamente e o Estado brasileiro tivesse coragem de punir os responsáveis.

Você é parte dessa história social, da classe camponesa e do povo brasileiro. Lembro, ainda muito jovem, os militantes mais velhos falarem de sua luta no Maranhão, das torturas sofridas, da petulância da oligarquia Sarney e sua promiscuidade com os militares, acumulando sempre poder e terras.

Lembro, quando você voltou do exílio, assentou-se em Pernambuco e ajudou também a organizar um novo partido, que deveria ser dos trabalhadores.

Lembro quando você resolveu voltar ao Maranhão. Fizemos os primeiros contatos, pude conhecê-lo pessoalmente e você nos ajudou a reorganizar as ocupações de terra e o renascimento do MST por lá.

Lembro das histórias bonitas que você nos contava, de sua experiência antes e depois do exílio. 

Lembro, também, de como todos os novos militantes que iam se forjando nas novas lutas admiravam sua coerência, coragem e compromisso apenas com a classe trabalhadora.

Víamos com orgulho você manter seus compromissos históricos com a libertação de nosso povo e a coerência de uma vida simples, camponesa. Não por modéstia falsa, mas por compromisso pedagógico.

Você é um militante histórico, não só da Ação popular (AP), dos sindicatos, da CUT, do PT e do MST, você é um militante histórico de nossa classe. E nos ajudou a alimentar sempre o sonho de que era possível lutar por um Brasil justo.

Lembro, mais recentemente, de sua coerência em defender nosso querido Jackson Lago, frente as artimanhas mesquinhas da oligarquia Sarney.

Por tudo isso, Manoel, temos muito orgulho de você, de sua história.

Continue firme!  São essas pessoas que o Brecht chamava de imprescindíveis.

Um grande abraço, meu velho camarada. E te cuide, porque você ainda precisa assistir à falência do agronegócio, hoje tão badalado pela burguesia e seus aliados.

Já agendei visitá-lo, nos 85, 90 e 100 anos.

Longa vida, Manoel!

João Pedro Stedile

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