MÉXICO: FAREMOS COM QUE SUAS CINZAS SEJAM A SEMENTE PARA A REVOLUÇÃO, DIZ PAI DE ESTUDANTE ASSASSINADO

Alex Torres / Flickr
(Foto: Carta Maior)

Manifestantes exigem a prisão do ex-governador Ángel Rivero e atribuem ao presidente Peña Nieto a responsabilidade pelo desaparecimento dos estudantes.

Do jornal La Jornada/México - reproduzido do portal Carta Maior, de 08/12/2014

Quase ao anoitecer, os gritos de protesto e de exigência de justiça para os estudantes de Ayotzinapa fez uma pausa. Do púlpito, Felipe de la Cruz, pai de um dos 43 estudantes desaparecidos, confirmava o rumor espalhado ao longo de quase uma hora de marcha: Alexander Mora Venancio, sequestrado naquela noite de 26 de setembro, estava morto.

Apenas uma pausa para que os milhares ali reunidos voltassem a gritar – agora no Monumento à Revolução – e responderem em coro: Fora Peña, fora Peña! Alguns, poucos, não conseguiram conter o choro com a notícia, outros gritaram outra frase que até agora não fora pronunciada: Alexander, tua morte será vingada. O anúncio uniu os sentimentos da multidão, aos pés do Monumento à Revolução.

Sem dar espaço para a tristeza, de la Cruz anunciava dias agitados por vir e dizia: Alexander, não vamos chorar sua morte, mas faremos com que suas cinzas sejam a semente para a revolução...

Mais de dois meses depois daquela noite em Iguala, a primeira certeza sobre o destino dos 43 estudantes repercutiu com um endurecimento da postura dos pais e estudantes de Ayotzinapa, que rompem as frágeis formas discursivas guardadas até agora.

Exigem a prisão do ex-governador Ángel Aguirre Rivero, a quem chamam de assassino, enquanto atribuem a Peña Nieto a responsabilidade pelo desaparecimento e assassinato dos estudantes. E sim, agora exigem a investigação do Exército nesta trama que mudou o rumo do México.

Enésima congregação a favor da justiça em Ayotzinapa, em um dia particularmente agitado para a cidade, com protestos quase que desde o amanhecer. O país está em ebulição e este sábado (6) foi o termômetro do ânimo social que contagiou a população. Dia de protesto, apesar das prisões que aconteceram no Zócalo por parte do governo da capital, que usou uma estratégia para impedir a passagem para o Centro Histórico. Nada que atrapalhasse os preparativos para as celebrações de Natal que já se iniciaram na cidade.

Evocações revolucionárias
O ataque de Iguala se transformou em uma verdadeira caixa de Pandora que convocou organizações da sociedade civil, camponesas, estudantis e urbanas. Com a existência da apresentação com vida dos estudantes de Ayotzinapa como bandeira comum, desde cedo, em sucessivas manifestações e, pela tarde em uma só mobilização, cada setor se encarregou de suas próprias demandas. Os camponeses com seus problemas quase ancestrais; o magistério oaxaqueño, que 15 meses depois da indesejada reforma educacional, continuando combatendo; o Grupo Lésbico Gay reclamando o fim dos crimes de homofobia. E os estudantes motivados pelo destino dos jovens naquele país.

Todos repudiando o governo ruim, todos pedindo uma esperança para a paz, para a justiça, para que se conceda um momento à razão.

Foi um sábado de confluências. Entre as lembranças históricas, evocando os 100 anos da tomada da capital pelos generais Francisco Villa e Emiliano Zapata, que se entrelaça com a trágica história em construção, com Ayotzinapa como ponto de ruptura da atual administração.

Convocada pelos herdeiros de Villa e Zapata, realizou-se uma marcha pela Reforma até o Monumento à Revolução, com a pretensão de recordar a história, mas também de se pronunciar sobre o presente. Francisco Villa, neto do Centauro do Norte, pronunciou-se sobre ao meio-dia pelo fim dos sequestros, desaparecimentos, do caos que prevalece no país.

Chinelos (cultura tradicional do estado mexicano de Morelos), bandas de música e cavalos chegaram quase como no carnaval, celebrando Zapata e Villa aos 100 anos do clímax da épica revolucionária, sem se esquecer do presente que deixa a nação indignada. Era o preâmbulo para a mobilização massiva da tarde. Pouco antes das 16 horas, as imediações do Anjo da Independência começam a se encher de gente. Desta vez será diferente: os violentos desenlaces das últimas duas jornadas por Ayotzinapa obrigam a adoção de medidas extremas de proteção mútua entre os manifestantes e a planejar estratégias de proteção contra a polícia e infiltrados.

Na Glorieta de Insurgentes se reuniram os universitários, que desta vez não apoiaram os milhares de manifestantes, mas demonstraram preocupações afins. Anunciaram medidas de emergência: não deixar de gritar seu nome se for preso arbitrariamente, que ninguém se separe do grupo, se houver explosões da polícia, devem se entrelaçar com os braços; não permitir a entrada de nenhum encapuzado. E se nada disso funcionar, lembrar que vias Insurgentes e Hidalgo são as artérias de evacuação do protesto.

A comunidade artística tem outras chaves para se proteger. Atores, músicos e dramaturgos compuseram um festivo contingente que, em sua maioria, usa nariz de palhaço. Não se trata de banalizar o protesto, mas de um adereço de proteção, explicou Míriam Orva, jovem dramaturga que carrega um rádio para se comunicar com a retaguarda do grupo.

Ximena Oliver é a coordenadora de outro peculiar conjunto de manifestantes: o grupo carriola (carrinho de bebê). Pais de crianças de colo e que ainda precisam de carrinho não abdicaram seu direito de protestar, apesar dos riscos surgidos nas últimas duas manifestações. Reivindicam seu direito de protestar sem ter que se separar de seus filhos.

A ação de policiais federal e da capital é tachada de repressora. A arremetida atitude frustrada de prender supostos anarquistas provoca a reação dos manifestantes. Se o “Fora Peña Nieto!” está nos cartazes de forma generalizada, alguns começam a envolver o chefe de governo da cidade: Mancera, traidor, aparece em outros cartazes. Durante a manifestação, quem lidera repete várias vezes a recomendação de desocupar o lugar no final do ato e pede extremas precauções em relação às possíveis ações das policias federal e da capital.

O protesto deste sábado traz consigo uma nova demanda, emanada das mudanças no Congresso: com a nova lei, continuaremos saindo às ruas, advertia um grande cartaz da organização política Comitê de 68, que parece equiparar as reformas no Congresso para conter as manifestações com presságios repressivos, como nos anos da luta estudantil.

Clausurado no Zócalo, o contingente se enfileirou rumo ao Monumento à Revolução. Quase na linha de frente, está imagem de Guadalupe, incorporada desta vez à luta, que vai tombando, de tão pesada, carregada apenas por seus fiéis. Sem conotação religiosa, cada um carrega o que representa sua fé: Gandhi, Zapata, Villa, Genaro Vázquez, Che Guevara, uma lista de figuras invocadas para acompanhar o ato.

Sem a convocatória das últimas mobilizações, foram milhares os presentes no Monumento à Revolução para escutar, desta vez, notícias desesperançosas. A morte confirmada de Alexander permeia alguns dos discursos dos familiares. Bernardo Campos, outro dos pais dos estudantes, não conteve seu ímpeto e faz uma promessa pública: filho, onde quer que você esteja, vou continuar te procurando, mesmo que meu coração sangre.


Tradução de Daniela Cambaúva

 

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