EQUADOR: MOVIMENTOS OPOSITORES E PARTIDÁRIOS DO PRESIDENTE VÃO ÀS RUAS

Manifestantes anti-Correa se preparando para dar partida à marcha, a partir do Parque Centenário, no centro de Guaiaquil; faixa da UNE - União Nacional dos Educadores (Fotos; Jadson Oliveira)
Militância pró-Correa se concentrou na Cidadela Valdívia, na zona sul da cidade
Questão política importante é saber até que ponto a Conaie, a mais reconhecida organização indígena do país, vem se desgastando no confronto com Rafael Correa.

Por Jadson Oliveira (jornalista/blogueiro) – editor do blog Evidentemente – publicado em 22/03/2015

De Guaiaquil (Equador) – Foi na quinta-feira, dia 19. Movimentos indígenas, de trabalhadores, estudantis e outros fizeram marchas (o termo ‘passeata’ parece que entrou em desuso) por várias cidades do país para demonstrar sua oposição à chamada Revolução Cidadã.

Já a militância do partido governista, a Aliança País (AP), na maioria dos casos no mesmo horário (final da tarde), fez concentrações (“plantões”, um termo novo para essas ocasiões usado por aqui) para apoiar as políticas do presidente Rafael Correa, que aproveitou o “dia da marcha” para inaugurar uma usina hidroelétrica e um centro de saúde.

Em princípio, pensei que seria mais um capítulo no já conhecido enfrentamento entre o governo e a Conaie (Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador). Mas, pelo menos em Guaiaquil, a maior cidade do país, onde acompanhei pessoalmente as manifestações, o papel da Conaie parecia diluído entre várias organizações.

Alinhou-se com ela na convocação e organização – em Guaiaquil, repito – a Cedocut (Confederação Equatoriana de Organizações Classistas Unitária dos Trabalhadores) e participaram várias outras entidades dos estudantes, professores, aposentados, feministas, etc.

O reflexo disso é que as bandeiras e cartazes abrangiam uma gama muito grande de assuntos, desde a não reeleição indefinida de Correa até o aumento de taxação sobre produtos importados - uma recente medida do governo que, segundo o próprio governo, serve para proteger a indústria nacional -, passando por críticas à Lei de Terras, à exploração de petróleo em áreas indígenas, às leis trabalhistas e pontos específicos das lutas de variadas categorias.
Coronel da Polícia Nacional conversando sobre o roteiro da marcha com Juan Vareles, vice-presidente nacional da Cedocut, confederação dos trabalhadores que estava entre os coordenadores do evento
Capa de El Universo (o mais influente entre os jornais privados), edição do dia seguinte: foto de Quito (chovendo) e outra de Correa na inauguração da usina; mais duas, uma contra ("Não seremos outra Venezuela", diz o cartaz) e outra pró-Correa
Os manifestantes se concentraram no Parque Centenário, uma grande praça sempre cheia de gente no centro da cidade, por ela passa obrigatoriamente quem percorre a Avenida 9 de Outubro, a principal da área central. Dali desfilaram por algumas ruas, mas foram impedidos de chegar até o palácio do governo, protegido pela polícia (Guaiaquil, ou Guayaquil, é a capital da província – estado – de Guayas).

Mas aqui não houve incidentes. Em Quito, sim, conforme o noticiário, houve choques com a polícia, resultando feridos e detidos. Inclusive no final, início da noite, apareceram os que no Brasil chamamos de black-blocs. Aqui não se usa tal expressão, os jornais se referem a “manifestantes encapuzados”).
Os black-blocs (os jornais não usaram tal expressão) apareceram no final da passeata em Quito; foto reproduzida do jornal El Telégrafo
Em Guaiaquil, estimei umas duas a três mil pessoas quando já se perfilavam para sair a marcha (em seguida, fui dar uma espiada na concentração dos governistas). Estas estimativas acabam sendo um capítulo a mais nas coberturas de tais eventos: perguntei a um cinegrafista de TV, ele me respondeu: “Mais de mil”.

Perguntei a três policiais. O que parecia mais graduado respondeu: de 12 a 15 mil, mas à medida que a marcha for passando pelas ruas deve aumentar (pensei: este deve ser  do time da polícia de São Paulo, que “calculou” em 1 milhão os anti-Dilma na Avenida Paulista, dia 15).

Já no “plantão” pró-governo havia umas 800 pessoas quando cheguei – já início da noite, na Cidadela Valdívia, na zona sul da cidade, bem distante (e fui de ônibus). Eram basicamente militantes da Aliança País, muito animados, com suas costumeiras bandeiras verdes, capitaneados pela dirigente da AP na província, Marcela Aguiñaga.

Logo em seguida veio a chuva e foi um corre-corre, a começar por este jornalista/blogueiro. Chuva que engrossou e caiu pesada por quase duas horas, as ruas inundadas, um tormento. Aqui vive chovendo quase todos os dias, às vezes durante a noite. Um cara me disse: aqui há duas estações: a chuvosa, que seria o inverno (de dezembro a maio) e a seca, o verão (de junho a novembro).

O poder da Conaie está minado?

Me faço tal pergunta, sem condições de responder, pois me faltam elementos mais consistentes da realidade. De qualquer forma, me arrisco: me parece que a Conaie, que sempre soube a mais representativa entidade dos indígenas equatorianos, tem se desgastado no embate contra o presidente Correa.

Vou ilustrar esta matéria com algumas fotos que fiz de três jornais diários. Dois deles são da imprensa privada, sabidamente contra os governos considerados progressistas (de esquerda) como o de Correa (El Universo, o mais tradicional, e o Expreso).
Capa do El Telégrafo (estatal) dois dias antes das marchas, mostrando o avanço do governo nas bases da Conaie: um exemplar desta edição foi rasgado pelo presidente da entidade
O terceiro é o El Telégrafo, estatal, do qual destaco especialmente a edição da terça-feira, dia 17, dois dias antes da marcha. Saiu com ampla matéria mostrando o governo negociando com dirigentes das bases da Conaie e acertando a concessão de assistência técnica, créditos bancários e bolsas.

Manchete da capa, a metade da página tomada por foto de lideranças indígenas no palácio presidencial: “As 14 nacionalidades e 28 povos (indígenas) rechaçam a marcha do 19M” (19 de março). Um exemplar desta edição foi rasgado pelo presidente da Conaie, Jorge Herrera, durante uma coletiva com a imprensa.

A cúpula da entidade contestou o quadro de adesão apresentado pelo governo, desautorizou que tais lideranças falem politicamente em nome da Confederação e negou qualquer aliança com as forças da direita.


Mais algumas fotos:

Estas duas são do jornal Expreso: a primeira da capa e a outra das páginas internas

Nesta, do pessoal pró-Correa, pode-se ver o céu escuro anunciando o aguaceiro

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